sábado, 14 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Alpedrinha, um patrício de vida amarga no decadente Hotel das Pirâmides; preguiça, calor e claridade extremas; Topsius, cerveja local e registros acadêmicos; Teodorico e suas necessidades imediatas

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_37.html antes de ler esta postagem:

O rapaz da recepção de bagagens do Hotel das Pirâmides era um patrício... Logo que viu a folha preenchida por Teodorico, disse que se chamava Alpedrinha e que estava à disposição para qualquer necessidade.
Não demorou e os dois lusitanos trocaram algumas palavras... Enquanto Alpedrinha cuidava da bagagem do recém-chegado ia falando a respeito de sua história... Era natural de Trancoso.
(...)
O rapaz lamentava o fato de até ter talento para a redação, chegara a compor “um necrológio” e sabia “versos doloridos de Soares de Passos” (Antônio Augusto Soares de Passos, escritor português do século XIX)... Mas após a morte da mãe, tomou posse de sua parte da herança e decidiu seguir para Lisboa a fim de “aproveitar a vida”. Frequentou a Travessa da Conceição, onde conheceu uma espanhola chamada Dulce... Apaixonou-se e partiu com ela para Madri.
Alpedrinha não se realizou na vida. Abriu-se com o Teodorico... Passou a contar-lhe que tornou-se um viciado em jogos de azar... Dulce o traiu e, para piorar, foi esfaqueado por um rival que pertencia aos quadros mais baixos da sociedade.
Depois de se tratar do grave ferimento, Alpedrinha partiu para Marselha, onde passou por muitas necessidades. Na sequência foi à Roma e engajou-se como sacristão em uma igreja local. Mais tarde mudou-se para Atenas e trabalhou como barbeiro. Depois estabeleceu-se na província grega de Moreia e instalou-se num barraco nas proximidades de um pântano, de onde tirava o sustento na “pesca de sanguessugas”.
Após muito labutar, resolveu mudar-se para Esmirna (Turquia). De turbante e tudo o mais, passou a viver vendendo água pelas vielas. Chegar ao Egito foi apenas um detalhe, pois desde muito tempo sentia-se atraído pelo país... Terminava sua história ali no Hotel das Pirâmides, onde exercia a humilde função.
(...)
Alpedrinha disse que gostaria de saber como estava a política em Lisboa... Perguntou ao Teodorico se ele não trazia algum jornal. Este passou-lhe todas as folhas de Jornais de Notícias que serviam para embrulhar sua tralha.
(...)
O dono da espelunca era um grego originário da Lacedemônia... Esforçava-se para se comunicar (em castelhano) com os dois que acabaram de se hospedar.
O tipo vestia uma sobrecasaca escura... Na altura do peito via-se uma condecoração qualquer... Disse que seu estabelecimento era o melhor ambiente para se pernoitar em todo o Oriente.
Teodorico notou que o lugar era “pura decadência”. A mesa para refeição apresentava flores murchas de um vermelho berrante... No recipiente com azeite podiam ser vistas moscas mortas... O chão estava repisado e cheirava a vinho desperdiçado. O teto estampava uma envelhecida pintura de extremo mal gosto (anjos e andorinhas pairavam junto a nuvens rosadas) e além disso os candeeiros eliminavam uma fumaça que o escurecia.
(...)
Topsius bebeu da cerveja local...
Teodorico notou que alguns tipos tocavam harpa e rabeca na calçada do hotel. Ele não soube explicar, mas sentiu-se bem por estar ali. Talvez porque entendesse que aquela oportunidade no Egito se resumisse à preguiça e luminosidade.
Após o café, Topsius passou a fazer registros sobre velharias locais e as “pedras do tempo dos Ptolomeus”. O Raposo acendeu um charuto, chamou o Alpedrinha e disse-lhe que precisava rezar o quanto antes. Acrescentou que desejava aventuras de amor.
O Raposo não podia deixar de cumprir a promessa que fizera à tia... Rezaria em sua intenção, pois ela recomendou-lhe “uma jaculatória a São José” assim que chegasse ao Egito. A velha entendia que aquele solo era sagrado porque recebeu a Sagrada Família por ocasião da perseguição de Herodes aos recém-nascidos.
A aventura amorosa era demanda de seu coração cheio de ansiedade.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas