domingo, 23 de julho de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 29 de dezembro de 1895; dia de muita chuva na Boa Vista; recordando os sete anos de idade; preparação para a Primeira Comunhão; lista dos pecados a serem contados ao padre; histórias das negras da chácara sobre graves pecados; a feiura do Padre Neves e o pavor de Helena

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_99.html antes de ler esta postagem:

Não podíamos encerrar as postagens sobre “Minha Vida de Menina” sem tratar dos registros de 29 de dezembro de 1895 deixados pela Helena Morley.
A redação em questão é a penúltima do diário e, além de divertida, é também uma das mais interessantes (além de divertida).
(...)
A família estava na Boa Vista... Era o período das férias escolares... Era ocasião para Dona Carolina se juntar ao marido, que não parava com o trabalho na lavra. Helena era apaixonada pela vida simples do campo e aproveitava o mais que podia o período.
O dia dera em chuvoso... Então Helena pôs-se a recordar da época em que tinha sete anos, quando se preparou para a Primeira Comunhão. Como esquecer o dia que Padre Neves anunciou para as todas as meninas que já estavam prontas para receber a Santa Eucaristia?
O Catecismo era de muito estudo... A celebração era um dos acontecimentos mais importantes da cidade... Helena ficou muito empolgada com a notícia e apressou-se a avisar a mãe a respeito dos preparativos. Tinham um mês para conseguirem o “vestido branco comprido, véu, grinalda, vela de cera enfeitada”...
(...)
No dia anterior ao da cerimônia, o Padre Neves reuniu o grupo na igreja, pois as meninas deviam se confessar.
A atmosfera era das mais sóbrias, silêncio total, o padre devidamente instalado no confessionário recebia as postulantes que se aproximavam uma a uma conforme chegava a vez.
As garotas se ajoelhavam, confessavam os pecados, recebiam a penitência e se retiravam. Helena explica que quando chegou o seu momento, estava com a lista devidamente decorada. Contou que falhava muito, cometia o pecado da gula, era invejosa, desejava lindos vestidos, falava da vida alheia e roubava frutas da chácara da avó...
Teve de rezar o Ato de Contrição... Mas ao deixar o confessionário, sentiu que devia ter dito mais ao padre.
(...)
Helena lembra que conhecia muitas negras que viviam na chácara de dona Teodora... Elas viveram o tempo da escravidão e conheciam muitas histórias sobre “almas do outro mundo” e pecados que podiam levar as pessoas ao Purgatório e ao Inferno...
As negras contavam que um dos piores pecados era o de roubar ovos... Diziam que o ovo devia gerar um pintinho... Deus sabia quantas penas a avezinha teria... Pois bem, a quantidade de penas determinava “os anos de sofrimento do larápio no Purgatório”.
Essas palavras pesavam tanto na consciência da pequena Helena que ela se tornou incapaz de pensar em furtar ovos...
De acordo com as negras, outro pecado que não tinha perdão era o de “achar padre feio”. O problema é que isso a perseguia o tempo inteiro! Era só o padre Neves entrar na igreja que Helena já começava a pensar em sua feiura... E na sequência perguntava a si mesma se estava cometendo o grave pecado.
As aulas de catecismo eram um suplício porque eram ministradas por ele. Helena se esforçava para tirar o pensamento da cabeça, mas só conseguia se livrar do tormento quando a aula terminava.
(...)
Por ocasião da confissão que ocorreu na véspera da celebração da Primeira Eucaristia, Helena decidiu crer que não havia cometido o pecado porque no final das contas nunca havia dito a ninguém que achava o Padre Neves feio.
As meninas participaram de um retiro... Helena se esforçou para manter-se contrita e procurou convencer-se de que fizera uma boa confissão.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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