Helena pensou na cena que havia presenciado na escola (Zinha esbravejando por terem ousado lhe dar conselhos sobre se arrumar melhor) e se perguntou sobre o que seria das crianças que aquele tipo viesse a ensinar. Será que não havia um meio de impedir uma doida de ensinar... Tantos outros trabalhos ela poderia realizar!
(...)
Ao passar pela
chácara, Helena falou a respeito do episódio com o tio Joãozinho. Ele respondeu
que em Diamantina não haveria meio de separar os doidos e que o correto seria
passar “uma cerca ao redor da cidade”.
Mas não é que tio Joãozinho apostava que todos ali eram meio malucos e
que a cidade mais se parecia com um hospício?
Mais
tarde Helena contou sobre o seu dia ao pai... Falou-lhe também a respeito da
opinião do tio Joãozinho. Seu Alexandre respondeu que, se a cerca fosse
construída, um dos que ficariam dentro seria o Joãozinho, que não era “dos mais
equilibrados”.
(...)
A propósito desse
assunto sobre a “gente doida” de Diamantina, o registro de 29 de março de 1895
do diário de Helena Morley dá conta da existência da “mulher de seu Facadinha”,
certamente um tipo que “variava das ideias”.
Todas
as vezes que alguém passava à frente de sua casa, ela gritava coisas
incompreensíveis.
Certa noite, Helena
passou por lá e ouviu a mulher vociferar algo como “Cherréco teméco, fréco”...
Assustada, a menina correu numa disparada só até a casa de sua tia Agostinha.
Por incrível que
possa parecer, a mulher começou com aquela maluquice desde que ficara sabendo
que muitos estrangeiros estavam chegando à cidade para adquirir lavras. Ela
colocou na cabeça que também era gringa... E como não sabia o que dizer em
outra língua falava aquelas bobagens.
(...)
No referido 29 de
março, uma sexta-feira, a filha de seu Facadinha morreu. Helena visitou a casa
e encontrou a menina na cama coberta por um lençol... A mulher estava no
terreiro com o seu “palavreado estrangeiro”.
Como que a se
justificar, o seu Facadinha “levantava as tampas das caçarolas” para mostrar
que sempre providenciou leite para a filha... A menina não tomava do leite
porque não queria.
Helena observou que a tinha visto forte e corada, então perguntou sobre
qual teria sido a causa da morte... O pobre homem disse que ela cortara a mão acidentalmente
e que uma ferida estranha subiu-lhe pelo braço. Pelo visto Deus quis levá-la.
Helena acabou concordando... Seu Facadinha já era velho e tinha a esposa
doida... Deus fez bem em “levar a menina desta para melhor”.
(...)
15 de março de 1895 foi uma sexta-feira. Neste
dia Helena escreveu sobre a inauguração da “administração dos correios” em
Diamantina.
Ela conta que houve
grande festa, com queima de fogos e tudo o mais. Muitos empregados estiveram
presentes... Pelo visto o imóvel em que a administração foi instalada na Rua do
Bonfim pertencia a certo Antoninho Marcelo. Este, no mínimo, era figura
influente na região.
A garota explica que se dependesse dela jamais uma repartição dos
correios seria instalada da cidade. Ela afirma que o “seu Cláudio” fazia muito
bem o serviço, que consistia basicamente na entrega de cartas e jornais aos
destinatários.
Seu
Cláudio era aleijado e tinha a necessidade da ajuda de um negro para montar o
cavalo... Na garupa levava o saco com as correspondências. O homem jamais
falhara e no entanto estava sendo substituído por imensa “repartição cheia de
aparatos e funcionários”.
Seu Alexandre havia
dito a ela que aquilo não passava de política. Evidentemente os que conseguiam
emprego e outros benefícios com a repartição eram ligados de alguma maneira aos
que administravam o município.
Helena
pergunta se não era melhor instalarem luz nas ruas. Dessa maneira poderiam
caminhar durante a noite sem correr o risco de “cair numa vaca”. Água encanada
também fazia falta. Não seria melhor se providenciassem isso?
Ninguém morreria se ficasse sem receber cartas... Mas da água que descia
“do Pau de Fruta”... Ela já ouvira que a febre tifo era ocasionada pela água!
Muitos já tinham morrido por causa da água que “corria descoberta”.
(...)
Aquelas modernizações só podiam ser coisas que as pessoas da cidade
desejavam.
No
final de seus registros, Helena confessa que, de sua parte, preferia viver em
lugares como a “Boa Vista, Bom Sucesso, Curralinho, Biribiri ou Sopa”, pois nascera
para o campo...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/06/minha-vida-de-menina-de-helena-morley.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto