sábado, 27 de maio de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 23 de fevereiro de 1895; o que seria dos futuros alunos de Zinha?; para o tio Joãozinho, deviam cercar Diamantina como a um hospício; registros de 15 e 29 de março de 1895; a mulher do seu Facadinha e sua estranha linguagem; inauguração da repartição dos correios

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/05/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_26.html antes de ler esta postagem:

Helena pensou na cena que havia presenciado na escola (Zinha esbravejando por terem ousado lhe dar conselhos sobre se arrumar melhor) e se perguntou sobre o que seria das crianças que aquele tipo viesse a ensinar. Será que não havia um meio de impedir uma doida de ensinar... Tantos outros trabalhos ela poderia realizar!
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Ao passar pela chácara, Helena falou a respeito do episódio com o tio Joãozinho. Ele respondeu que em Diamantina não haveria meio de separar os doidos e que o correto seria passar “uma cerca ao redor da cidade”.
Mas não é que tio Joãozinho apostava que todos ali eram meio malucos e que a cidade mais se parecia com um hospício?
Mais tarde Helena contou sobre o seu dia ao pai... Falou-lhe também a respeito da opinião do tio Joãozinho. Seu Alexandre respondeu que, se a cerca fosse construída, um dos que ficariam dentro seria o Joãozinho, que não era “dos mais equilibrados”.

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A propósito desse assunto sobre a “gente doida” de Diamantina, o registro de 29 de março de 1895 do diário de Helena Morley dá conta da existência da “mulher de seu Facadinha”, certamente um tipo que “variava das ideias”.
Todas as vezes que alguém passava à frente de sua casa, ela gritava coisas incompreensíveis.
Certa noite, Helena passou por lá e ouviu a mulher vociferar algo como “Cherréco teméco, fréco”... Assustada, a menina correu numa disparada só até a casa de sua tia Agostinha.
Por incrível que possa parecer, a mulher começou com aquela maluquice desde que ficara sabendo que muitos estrangeiros estavam chegando à cidade para adquirir lavras. Ela colocou na cabeça que também era gringa... E como não sabia o que dizer em outra língua falava aquelas bobagens.
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No referido 29 de março, uma sexta-feira, a filha de seu Facadinha morreu. Helena visitou a casa e encontrou a menina na cama coberta por um lençol... A mulher estava no terreiro com o seu “palavreado estrangeiro”.
Como que a se justificar, o seu Facadinha “levantava as tampas das caçarolas” para mostrar que sempre providenciou leite para a filha... A menina não tomava do leite porque não queria.
Helena observou que a tinha visto forte e corada, então perguntou sobre qual teria sido a causa da morte... O pobre homem disse que ela cortara a mão acidentalmente e que uma ferida estranha subiu-lhe pelo braço. Pelo visto Deus quis levá-la.
Helena acabou concordando... Seu Facadinha já era velho e tinha a esposa doida... Deus fez bem em “levar a menina desta para melhor”.

(...)

15 de março de 1895 foi uma sexta-feira. Neste dia Helena escreveu sobre a inauguração da “administração dos correios” em Diamantina.

Ela conta que houve grande festa, com queima de fogos e tudo o mais. Muitos empregados estiveram presentes... Pelo visto o imóvel em que a administração foi instalada na Rua do Bonfim pertencia a certo Antoninho Marcelo. Este, no mínimo, era figura influente na região.
A garota explica que se dependesse dela jamais uma repartição dos correios seria instalada da cidade. Ela afirma que o “seu Cláudio” fazia muito bem o serviço, que consistia basicamente na entrega de cartas e jornais aos destinatários.
Seu Cláudio era aleijado e tinha a necessidade da ajuda de um negro para montar o cavalo... Na garupa levava o saco com as correspondências. O homem jamais falhara e no entanto estava sendo substituído por imensa “repartição cheia de aparatos e funcionários”.
Seu Alexandre havia dito a ela que aquilo não passava de política. Evidentemente os que conseguiam emprego e outros benefícios com a repartição eram ligados de alguma maneira aos que administravam o município.
Helena pergunta se não era melhor instalarem luz nas ruas. Dessa maneira poderiam caminhar durante a noite sem correr o risco de “cair numa vaca”. Água encanada também fazia falta. Não seria melhor se providenciassem isso?
Ninguém morreria se ficasse sem receber cartas... Mas da água que descia “do Pau de Fruta”... Ela já ouvira que a febre tifo era ocasionada pela água! Muitos já tinham morrido por causa da água que “corria descoberta”.
(...)
Aquelas modernizações só podiam ser coisas que as pessoas da cidade desejavam.
No final de seus registros, Helena confessa que, de sua parte, preferia viver em lugares como a “Boa Vista, Bom Sucesso, Curralinho, Biribiri ou Sopa”, pois nascera para o campo...
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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