Houve ocasião no começo de 1894 em que o pai de Helena, o seu Alexandre, conseguiu bons resultados numa lavra, o “serviço do Bom Sucesso”...
Dona Carolina considerou a oportunidade de montarem um estabelecimento comercial... Isso seria um investimento, pois o dinheiro poderia render. Além disso, com o comércio, a família teria menos gastos com a própria alimentação.
O raciocínio era simples e tinha tudo para dar certo. O problema é que o seu Alexandre não se via como “vendeiro”. Quanto a este problema, dona Carolina explicou que podiam contratar “um homem sério para tomar conta” do negócio. Seu Alexandre podia continuar com o trabalho na lavra e uma vez por semana, quando tirava o dia para ficar com a família, fiscalizaria os resultados.
(...)
Os registros de 24 de maio de 1894 relatam esses
episódios.
Invariavelmente seu Alexandre concordava com as opiniões da esposa e
colocava em prática seus projetos.
O “homem sério” que ele contratou era o seu Zeca, um
velho que morava “no alto da Rua da Luz”. Helena explica que ele vivia da venda
de cigarrinhos de palha que fazia e que se tratava de um tipo “pachorrento”.
A venda foi instalada num cômodo que ficava “atrás da casa de Seu Cadete”.
O pai de Helena acertou o aluguel sem ter de se preocupar com prateleiras,
balança ou balcão. O cômodo já possuía essas coisas porque já havia sido usado para
fins comerciais.
Acertado o “ponto” que ficava próximo ao “rancho dos tropeiros”, restava
provê-lo de toda sorte de artigos. Helena conta que certo Isaías ficou
encarregado deste serviço. Ele comprou “um cargueiro de rapaduras, uma bruaca
(caixa de madeira utilizada pelos tropeiros) de feijão e outra de farinha, arroz,
um balaio de toucinho, um barril de azeite muito claro, outro de cachaça, uma
saca de sal, goma muito boa, milho fubá, queijos e tudo, até palmito”.
Terminaram de instalar a venda e o seu Zeca começou a trabalhar. Seu
salário era de vinte mil réis. Como ele morava longe do estabelecimento, ficou
combinado que almoçaria na casa de seu Alexandre, ficando o prato por conta de
dona Carolina.
(...)
Alguns dias se passaram e um dos irmãos de dona Carolina, o tio
Joãozinho, apareceu para conversar com seu Alexandre... Ele riu-se a valer
enquanto dizia que o cunhado havia feito muito mal ao colocar o seu Zeca para
trabalhar na venda... Melhor seria deixá-lo em paz e a vender os seus
cigarrinhos.
Joãozinho comentou que
estivera na venda... Em sua opinião não daria certo porque seu Zeca era um tipo
“lerdo demais”. Alexandre tinha de contratar alguém esperto! Mas o pai de
Helena argumentou que “os espertos” surrupiavam e certamente trariam dores de
cabeça para ele.
(...)
Na sequência, Helena
escreveu um pouco mais a respeito do funcionário contratado pelo pai.
Ela e Luisinha
estranhavam a mania que o velho tinha de não comer do mesmo que a família...
Ele rejeitava “carne seca, couve picadinha, torresmo” e tudo o mais. Elas não
entendiam por que ele só comia “carne com quiabo, arroz, angu” e alimentos bem
cozidos... Não faziam ideia do que ele queria dizer quando afirmava que sofria
de gases.
Mas essas dúvidas logo foram esclarecidas.
Helena conta que certa vez
estavam à mesa quando o seu Zeca pediu licença à dona Carolina. Ele levantou-se
e dirigiu-se ao corredor.
É a própria Helena quem garante que começaram a ouvir ”umas
coisas” que não podia detalhar no diário. Ela e Luisinha não conseguiram conter
o riso... “Apertaram a boca” para segurá-lo, mas não adiantou.
(...)
É bom que se saiba que as duas irmãs eram assim mesmo... Viviam a rir
das situações diversas. Algumas de fato eram engraçadas... Outras, apesar de
vexatórias para alguém, também provocavam gargalhadas que elas não conseguiam
segurar.
Esse comportamento era criticado
e punido pelos pais... Mas o que podiam fazer? Elas eram garotas espontâneas e
alegres... O diário de Helena está repleto desses casos. A maioria deles
contagia o leitor que, de repente, passa a rir da naturalidade da narrativa e
de seu conteúdo.
Sobre o episódio acima descrito ainda temos de
esclarecer um pouco mais. Por enquanto basta saber que dona Carolina ficou
furiosa e ralhou com as filhas. Certamente seu Zeca ficou um tanto
desconcertado, e é por isso que tentou se justificar às garotas dizendo que era
um homem doente e que, se não se livrasse dos gases, “eles subiam para o seu
peito e o afrontavam”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_67.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto