Também essa postagem sobre o diário de Helena Morley segue com referências à religiosidade, festividades e celebrações religiosas da Diamantina do final do século XIX.
Em seu registro de 19 de maio de 1893, Helena evidencia que era comum pedirem esmolas pelas casas em “oferecimento às almas”.
Às sextas-feiras, um senhor de rústica vestimenta com uma capa vermelha gritava a cada porta que passava: “Para a missa das almas!”
(...)
A garota cresceu no ambiente católico e, acostumada
aos rigores de sua mãe com as coisas da religião, ficava apavorada de ficar sem
ter um vintém para oferecer para as almas.
Ela conta que certa vez aconteceu de o tipo passar e dona Carolina não
ter nenhuma moeda para entregar-lhe. Helena sentiu-se incomodada, mas a mãe a
acalmou dizendo que podiam dar-lhe um ovo... O bom homem o venderia e a oferta
teria a mesma validade.
Helena ficou satisfeita porque, quando entregou o ovo,
viu que o tipo carregava uma sacola com muitos outros. Certamente outras
pessoas faziam o mesmo.
(...)
No referido 19 de maio, portanto algum tempo depois do anteriormente
relatado, Helena estava na casa de sua colega, Clementina, filha de certo
senhor Ferreira, quando ouviu o homem da capa vermelha a gritar, clamando para
que os fiéis ofertassem o seu vintém em honra das almas.
A garota notou que dona Germana, mãe de Clementina, nada ofertou e
apenas disse “As almas que nos ajudem!”. O homem prosseguiu o seu caminho a
solicitar a oferta para a missa das almas.
Helena não escondeu sua surpresa e quis saber se eles não tinham medo de
deixar de dar a esmola... Falou sobre a ocasião em que o pedinte passou por sua
casa e, como não tinham dinheiro, deram-lhe um ovo.
O senhor Ferreira respondeu que o ovo que lhe entregaram tornou-se
refeição do pedinte... As almas nada tinham com aquilo... Ele ainda brincou que
Helena enganava-se ao entender o tipo gritar “para a missa das almas”, em vez
disso ele dizia “para mim e as almas”.
Ainda de modo irônica, seu Ferreira
concluiu que “as almas deviam esperar mesmo que o pedinte lhes desse alguma
coisa”.
(...)
Já no registro de 21 de
maio de 1893, Helena deixou considerações sobre a “Festa do Divino”...
Durante nove dias uma
comitiva carregava a “bandeira do Divino Espírito Santo” às casas... Todos se alegravam
com a cantoria do grupo.
As pessoas se cobriam com a bandeira, agradeciam e faziam promessas.
Helena estava muito animada porque nos últimos três anos participara da festa
tomando posição de destaque... Usava vestido novo e levava cera junto à
bandeira. Isso a enchia de vaidade... A garota entendia que, com isso, fazia “inveja
às primas”.
Ainda veremos que ela se ressentia do destaque que suas primas tinham em
muitas outras ocasiões.
(...)
Era dona Teodora que fazia
questão que Helena levasse a cera por ela ofertada. A menina explica que, além
da cera, naquele ano teve de levar “um milagre do pai”.
Esse “milagre” é chamado comumente de “ex-voto”... No
caso, era uma peça que representava “uma perna com manchas vermelhas de ferida”.
Dona Carolina havia feito a promessa na ocasião em que o marido se feriu depois
de levar um “coice de um burro na canela”.
Os registros dão conta de que a sacristia da igreja do Amparo estava
repleta de “milagres” (cabeças, braços e pernas, “meninos inteiros” feitos de
cera e de outros materiais). Tudo tão bem feito que parecia de verdade.
(...)
Naquele ano, o senhor
Manuel César havia sido o imperador. Ele não poupou esforços para animar a
festa.
Helena gostaria que o pai fosse sorteado “imperador
da Festa do Divino”... Os “imperadores” buscavam se destacar promovendo grande
queima de fogos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_4.html
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto