O enredo vivido pelo Sebastián do livro se inspira na trajetória
existencial do autor. Uma breve consulta aos seus dados biográficos nos leva à
essa conclusão.
Sebastián narra o processo de elaboração de uma
produção textual que evidencia as origens de sua família...No início do texto o vemos a se manifestar a respeito de um irmão adotivo: “Meu irmão é adotivo, mas não posso e não quero dizer que o meu irmão é adotado”... É sobre este irmão que ele quer escrever.
(...)
O caso é que antes de seus pais emigrarem para o
Brasil (1976), adotaram um recém-nascido... Sebastián recorre à memória (então certas
lacunas são resolvidas por formulação que não corresponde à veracidade dos
fatos – há importância nisso, se o texto é fictício?) e à investigação in loco de sítios em Buenos Aires para
resgatar sua história.
A necessidade de se retirarem do país relacionava-se à perseguição
política iniciada imediatamente após a instauração da ditadura civil-militar
naquele país... O “Processo de Reorganização Nacional” deu início a uma
verdadeira caçada a militantes peronistas e outros esquerdistas... Como se
sabe, depois de aprisionados, passavam por torturas em ambientes anexos de
prédios militares... Milhares foram assassinados e dados como “desaparecidos”.
Recém-nascidos foram retirados de jovens mães submetidas ao terror e acabaram
entregues a outros casais. Esse podia ser o caso do irmão de Sebastián? No
início do livro há uma referência que nos leva a pensar nessa possibilidade.
(...)
Os pais de Sebastián eram dedicados residentes
psicanalistas. Estavam afinados em relação às críticas aos métodos tradicionais
de tratamento e desejavam mudanças que em síntese resultariam na humanização do
atendimento aos doentes mentais.
Mas não é só isso. A narrativa dá conta de uma militância.... Eles
participavam de reuniões... Armas eram guardadas em casa. Apesar de todas as
temeridades, a mudança para o Brasil não se deu imediatamente. E é bom que se
diga que o destino seria outro.... Talvez o México, talvez a Espanha.
Instalaram-se em São Paulo, onde a irmã biológica de Sebastián e ele
próprio nasceram. Decidiram-se pela permanência.
(...)
Os anos iniciais foram de cumplicidade entre os irmãos, notadamente
entre os dois garotos.... Os pais nunca esconderam a adoção do mais velho e por
um bom tempo essa condição não foi tema controverso.
A vida seguiu regrada para a família e nada parecia ameaçar a
“normalidade” da convivência. Sebastián relata certos detalhes a respeito das
reuniões marcadas pela harmonia, sobretudo nos momentos de refeição em que cada
um sabia ocupar o devido lugar à mesa.
Aos poucos, porém, as
relações se tornaram tensas.... Não é de se estranhar que o pequeno Sebastián
não tivesse a maturidade para lidar com certas diferenças em relação ao mais
velho. Há o episódio marcado por uma longa viagem de automóvel em que o garoto
se irritou com a irmã e sentenciou que, por causa de entrevero não detalhado,
manifestou que a outra não podia ser sua irmã...
Todos tomaram o caso por
anedótico. Em diversas reuniões com amigos, a família o retomou. Mas a esse
respeito, o adotado nunca se manifestou, nem durante o episódio nem
posteriormente.
Sebastián começou a
problematizar algumas situações que evidenciavam que os vínculos com o adotivo
eram fragilizados. Certa vez intrometeu-se numa conversa do irmão com um amigo
e acabou sendo expulso do quarto.
Também há o relato sobre como Sebastián notou
com que facilidade o irmão assumia a sua “argentinidade”, que o tornava mais
próximo dos pais... Ele cita um episódio durante a transmissão da Copa do Mundo
de 1978, realizada na Argentina e destaca a partida em que descaradamente a
seleção peruana entregou o resultado de goleada favorável ao time da casa em
detrimento da classificação da invicta seleção brasileira.
Leia: A Resistência. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto