sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – décima segunda parte – o fim

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_86.html antes de ler esta postagem:

Não havia como cravar certezas...
A única convicção era a de que enquanto Robert vivesse Anne não teria como “escapar” daquele círculo... Isso duraria quanto tempo? Mais dez ou vinte anos... Os vinte anos pareciam-lhe tempo de “curta duração”... Todavia os prováveis dez anos anunciavam algo como um “longo túnel negro”.
“Condenada à morte; mas também condenada a viver”.
(...)
Nadine entrou no quarto. Quis saber se ela não desceria... Perguntou se estava doente.
De repente preocupou-se com a possibilidade de ter sido flagrada na cama padecendo de convulsões. Saiu-lhe um improviso... Respondeu que estava com dor de cabeça e que havia tomado aspirina.
Pelo visto sua fala não provocava desconfianças... Tanto é que na sequência Nadine advertiu que a pequena Maria ficara sozinha no gramado.
Anne disse que teria descido prontamente... Só não o fizera porque tinha ouvido a movimentação e decidiu descansar um pouco. No momento sentia-se bem melhor.
Nadine cobrou uma confirmação... Estava melhor mesmo? Claro que sim... A “aspirina fizera-lhe bem”.
(...)
Tinha apenas de descer para “retomar a vida”.
Henri ofereceu-lhe um copo de uísque. Ele estava numa conversa animada com Robert... Os dois examinavam papéis e logo iniciaram uma falação para explicar-lhe do tratavam.
A única coisa que Anne pensava era sobre como pudera não levar em consideração as consequências e remorsos que seu ato extremo pudesse provocar... Ao mesmo tempo sabia que nada fora irrefletido e podia considerar que “estivera a um passo do outro lado” (“onde coisa alguma tem valor, onde tudo é igual a nada”).
Para variar, Robert era o mais falante... Evidentemente notou a “ausência” da esposa e perguntou onde ela estava.
Anne respondeu “aqui”.
A palavra de poucas letras significava muito. Significava que estava viva e que partilhava sua existência com aqueles que sempre lhe eram tão próximos.
Podia trocar ideias... Concordar e discordar.
O que tanto empolgava Robert? Os estudos que Henri havia elaborado para a implantação do semanário e de vários outros projetos que tocariam em parceria.
Obviamente não havia necessidade de ouvir de Henri ou Nadine a respeito da mudança de planos sobre a mudança para Porto Venere.
Também não havia necessidade do menor esforço para perceber que sempre esteve entranhada nos embates dos que lhe eram mais chegados... Não por acaso Robert pediu-lhe que sugerisse um nome para o semanário.
(...)
Não havia dúvida...
Anne sabia que seu grupo arrancara-lhe das garras da morte. Cada um ali contribuiria para que ela voltasse à vida.
Não havia dúvida...
Atirara-se novamente “de pés juntos” à vida e, sem que precisasse entrar em detalhes, os seus saberiam ajudá-la a “viver de novo”.
Seu coração batia forte... Por quanto tempo? Isso pouco importava...
Podia ouvir os chamados e atendê-los.
Há motivações e há as pessoas.
Saberia ouvir... Talvez um dia voltasse a ser feliz.
“Quem sabe?”
Fim.

Um abraço,
Prof.Gilberto

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – décima segunda parte – Anne lutou para vencer o medo de morrer, pois entendia que não suportaria retomar a existência; a vida prosseguia no jardim da casa; há uma prorrogação a ser disputada; morremos e são os outros que “vivem a nossa morte”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_30.html antes de ler esta postagem:

De posse do frasco venenoso, deitou-se na cama. Segurou-o firmemente e fechou os olhos... Transpirava copiosamente, mas não era de calor...
O medo a dominou. Apertou ainda mais o frasco. Sentiu que devia dominar o pavor. Esse confronto era decisivo e nele colocaria a alma. O veneno seria ingerido, ou do contrário toda conhecida angústia retornaria... Isso ela não podia suportar.
No embate era preciso manter as ideias devidamente ordenadas... Diego, sua jovialidade e ideais estavam mortos... O futuro pertencia à Maria, que no momento necessitava apenas de um berço aconchegante... Robert continuaria o seu caminho para a morte, Lewis para o esquecimento...
Recomeçar parecia terrível... O que diria? Uma crise de depressão a dominara e por isso estava cravada à cama. Mentira! Muitas vezes mentira a si mesma e aos demais... Chegara o momento “de fazer a verdade triunfar”... Dependia apenas dela! Ingerir o conteúdo do frasco venenoso significava dar a vitória à morte. E isso parecia ser o mais razoável.
(...)
Só depois de algum tempo é que Anne reabriu os olhos... Era dia, mas isso não importava... O silêncio reinava no interior da casa, e também no jardim... O medo fora dissipado... A morte tinha caminho aberto.
De repente pôde distinguir ruídos vindos da área externa, e também alguns passos. Todavia era como se estivesse surda a qualquer episódio. De fato, ouviu nitidamente a irritada Nadine protestar que a mãe não podia ter deixado Maria sozinha, mas suas palavras não tinham a menor possibilidade de provocar qualquer reação.
Anne não soube explicar... A verdade é que o silêncio interior que a dominava foi incomodado por algo como que um “eco fraco” de um diminuto ruído.
Precariamente entendeu que abandonara a pequena Maria no gramado... Ela podia ter sofrido um acidente, um cão ou um gato teria se aproximado. Algo terrível para uma criatura tão indefesa!
Reconheceu que a reação das pessoas em nada denunciava tragédia... Do jardim ecoavam risos... Aquilo a despertou de vez... Passou a reconhecer sua falha e a imaginar Nadine manifestando toda sua indignação.
(...)
Podemos dizer que o embate entre a vida e a morte ainda não chegara ao fim... Aquilo só podia ser um “período de prorrogação”!
Anne sentiu o rosto avivar-se... Sentiu o coração reacender... De modo atropelado pensou no erro que cometera ao deixar Maria sozinha no gramado.
Olhou para as paredes... O frasco permanecia em sua mão... Eles entrariam no quarto e ela nada mais veria... A decisão de morrer imporia aos demais o cadáver. Não cogitara o choque pelo qual passariam.
Ela levantou-se e se colocou diante da penteadeira... Morreria e seu “passamento” seria vivenciado pelos outros... Soluços e prantos de Nadine, talvez de Robert... À distância, Lewis continuaria a ter “palavras dançando diante dos olhos”...
Os outros viveriam sua morte... Essa certeza a dominou. Tinha esse direito? Permaneceu por bom tempo diante do espelho... Estava salva, mas imaginava-se morta e com os lábios azulados... Essa visão aterradora ficaria para os parentes.
A morte não havia entregado os pontos, continuava presente... Bastava abrir o frasco com o “ácido prússico”.
Todavia os vivos de suas relações pareciam mais presentes do que nunca.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – décima segunda parte – o venenoso frasco subtraído de Paule; Anne decide não mais viver e com isso sepultaria de vez todas as que nela existiram; no trajeto para o ato final está o companheiro de tantos anos ainda motivado pela vida

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_29.html antes de ler esta postagem:

O fato é que Anne possuía meios para colocar um termo à vida. Em sua caixa de luvas estava um frasquinho com conteúdo venenoso de cor castanha (ácido prússico - cianureto de hidrogênio). Era o mesmo que ela havia subtraído de Paule na época em que esta se comportava tresloucadamente (até que conseguiu tratamento com o doutor Mardrus; ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de_31.html).


(...)

Decidiu recorrer ao pequeno frasco numa ensolarada manhã, quando descansava no gramado e vigiava a pequena Maria de perto.
Olhou para a pequena, mas não se sensibilizou pela vida... Pensou que quando a netinha tivesse a sua idade, ela já não existiria... O futuro pertencia à Maria e nele não haveria ambiente para a lembrança, apenas para o esquecimento... O nome de Anne seria pronunciado? Na verdade sua ausência seria perfeita... Ninguém se importaria.
Robert Dubreuilh também não faria parte do futuro da filha de Nadine... A única certeza que podia sustentar em relação aos dois era a de que não seria improvável juntarem suas cinzas às dela, mas suas mortes não seriam confundidas.
(...)
Notamos que no momento que se definia como derradeiro, Anne ainda pensou sobre as coisas boas e belas da vida que se passara... As viagens com Dubreuilh para a Grécia; os momentos com Lewis na América; as diferentes oportunidades em hotéis confortáveis e nos ambientes mais rústicos com o “céu por teto”. Quantos braços a acolheram e lhe foram afáveis?
Os que estão decididos a colocar um termo à própria vida não podem se perder em recordações... Elas só podem resultar em agonia... Melhor seria pensar nos vários mortos que carregamos em nosso ser.
Anne por exemplo lembrou-se da menina que havia sido... Aquela que acreditava num paraíso... Morta!
Morta também a “moça Anne”, a mesma que valorizava livros, ideias e o amor do homem escolhido... Morrera outras tantas vezes... Não mais vivia aquela que apostava que um dia o mundo seria de felicidade... E tampouco a que resolvera se tornar amante de um tipo interessante como Lewis.
Diego estava morto... Também todas aquelas que ela havia sido... Evidentemente elas não possuíam túmulos... Para que fossem enterradas de uma vez por todas seria preciso encerrar a vida desta Anne que não se encaixa mais em nenhum projeto.
(...)
Então, na manhã ensolarada, quando estava a pajear a pequena Maria no gramado do jardim, Anne resolveu recorrer ao frasco depositado em sua caixa de luvas. Quase que automaticamente levantou-se, abandonou a criança à própria sorte e tomou o rumo de seu quarto.
Passou diante da janela do quarto de Robert, que estava concentrado em seus textos... Sabia que podia roubar-lhe um último sorriso, mas não quis atrapalhá-lo. Ele continuava empolgado com a vida; ela planejava o suicídio.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – início da décima segunda parte – a parte final; Anne decide não mais viver

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_85.html antes de ler esta postagem:

A décima segunda parte de “Os Mandarins” é a última, e também a mais curta.
Vemos Anne muito deprimida.
Passaram-se duas semanas após o seu regresso dos Estados Unidos... A grande orquídea dada de presente por Lewis pouco antes de seu embarque estava murcha... Ao descartá-la na lixeira parecia sepultar de vez qualquer possibilidade de revê-lo em Chicago ou em Parker.
Robert era o mesmo... Envelhecido e “se encaminhando para a morte”... Ela não pôde deixar de constatar isso ao revê-lo em sua chegada aos Invalides... Era notório que seus passos estavam ainda mais enfraquecidos...
Era certo que ele morreria antes dela... De sua parte, Robert jamais admitiria o ocaso, pois acreditava na vida e entendia que tinha muito a fazer. De modo algum se via como um “morto em sursis”.
(...)
Cada um aguarda a própria hora... A partir de sua lógica, chegaria o dia em que viria Robert estirado, completamente morto com um “rosto de cera”...
No entanto Dubreuilh seguia animado... Principalmente quando passava horas a conversar com Henri acerca da retomada de projetos editoriais e de ação política.
(...)
Nos dias que se seguiram, Anne passou a se enxergar numa condição tão delicada que o suicídio parecia ser sua única alternativa... O desejo de morrer trazia-lhe tranquilidade... “Quando se está cansado (da vida), a morte parece menos terrível”.
Estava convencida de que não era por causa de Lewis ou por causa das tragédias políticas que se avizinhavam. Simplesmente já não se sentia tocada pelas coisas... Se ocorresse o contrário, certamente se sentiria animada pela vida.
Por um instante se recordou de certa situação de perigo quando contava 15 anos... Gritou de medo e correu, pois a morte era uma ameaça... Evidentemente não experimentava as mesmas condições... Com a idade, as forças para qualquer fuga se esvaneceram.
Seu raciocínio tornou-se trágico... Comparou-se ao condenado à morte que, por não suportar mais alguns dias até a execução, acaba tirando a própria vida... Seu caso era mais dramático na medido em que teria de aguardar muito mais tempo...
(...)
Anne não brincava com a morte... Ela era algo real e próximo... O céu azul pouco significava... “A terra é gelada e o nada a retomou”.
A bela paisagem ou a tranquilidade do lar nada lhe diziam... A casa confortável, a tília e sua generosa sombra... O angelical sono de Maria... Tudo era vazio e silêncio. Dessa forma, não se podia divisar amor em seu coração... Não nutria mais esse tipo de sentimento por ninguém.
Apesar disso, não era raro ver-se lamentando que uma só existência seja insuficiente para dar conta do “inesgotável mundo”.
(...)
Algumas indagações são típicas de adolescentes... Mas elas também chegavam às reflexões de Anne... A existência é breve e cruel... A infinidade de astros que compõem as galáxias pouco se importa com cada um de nós. E mesmos os nossos iguais não se lamentam demais depois que desaparecemos de seus cotidianos.
A vida só pode ser amarga e a única coisa que devíamos levar em consideração seria a nossa própria experiência limitada ao nosso “ser material”... De tanto matutar a respeito, Anne perguntava-se sobre o que ainda fazia entre os viventes.
Pensar no trabalho também lhe era decepcionante... Não se via em condições de impedir qualquer de seus pacientes a parar de chorar, ou então de incentivá-los a iniciar terapia que resultasse em noites de sonos tranquilos.
(...)
Como o caso com Lewis estava perdido para o passado, ela poderia recuperar alguns significados nas relações mais próximas... Mas Nadine amava Henri e se tornara mãe de Maria... Absolutamente não representava nada a nenhum deles.
A respeito de Robert, há muito sabia que “bastava que lhe dessem papel e tempo”... Certamente sentiria a sua morte, sentiria saudade... Mas ele não era do tipo que se deixa mergulhar nesse tipo de sentimento.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – partir para o paraíso não significaria apartar-se das mazelas da humanidade; mudanças de planos?; fim da décima primeira parte

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_26.html antes de ler esta postagem:

A conversa irritava Henri... Sobretudo porque a ideia de se mudarem para a Itália havia sido de Nadine... Ela agora vinha com essa conversa de que ele estava disposto a não mais ler os jornais... Mas certamente receberiam a Vigilance... O tal “semanário consistente” defendido por seu pai também podia se tornar realidade...
(...)
Ele explicou que seria normal passaram por um período de desconforto, ou até de incertezas, mas depois se acostumariam. Não tinham razões para “mudar os planos”.
A este respeito, Nadine disse que também não era certo partirem a todo custo apenas para não “mudarem os planos”... Seria estupidez.
De fato, não era o tipo de assunto que Henri gostaria de discutir às vésperas de partirem... Chamou Nadine à razão e lembrou que Robert dissera que se não partissem recomeçariam tudo como no passado... Por outro lado, ela reclamava que ele precisava “arranjar tempo para viver”.
Nadine parecia provocá-lo... Ou então já não estava tão segura em relação à mudança... Disse que havia dito muitas asneiras, inclusive ao incomodá-lo a respeito da falta de tempo para viver as coisas boas da existência.
Henri respondeu que no último ano havia sido muito feliz... E isso se relacionava ao tempo que conseguira arranjar por ter se afastado das discussões e compromissos políticos. Iriam para a Itália e tudo continuaria na mais perfeita condição.
Nadine o ouviu... No final deu a entender que concordava, já que ele pensava que no outro país seria feliz.
(...)
Henri teve de pensar a respeito da última afirmação da esposa... O que era exatamente ser feliz? Havia sentido nisso... Não possuímos o mundo ou nos livramos de suas mazelas... Não conseguimos nos proteger delas. Tanto fazia viver em Paris ou em Porto Venere... Os crimes, misérias e injustiças sociais chegariam ao seu conhecimento... Receberia cartas! Há os jornais e rádios (isso era suficiente)...
Não havia como se livrar de tudo aquilo... Essa era uma conclusão... Nadine parecia ter notado... De sua parte, Henri podia entender melhor o vazio que trazia em seu peito... Ele não havia escolhido o “exílio”, e não podia aceitar passivamente a ideia de que tudo pode acontecer ao nosso redor sem que nos sintamos chamados à atuação.
Henri perguntou à Nadine se desejava permanecer na França. Ela respondeu que ficaria contente em qualquer parte, desde que fosse ao seu lado.
É claro que esperava viver num belo local onde o sol estivesse sempre presente... Como se estivesse a se explicar, Nadine disse que todos sonham com o paraíso, mas deixam de ter pressa “quando são encostadas à parede”.
Henri entendeu que ela estava se lamentando por ter de partir... Manifestou o que estava pensando, então, sem responder-lhe diretamente, Nadine sentenciou que ele devia fazer o que fosse melhor para si... Devia fazer o que fosse de seu agrado... Deixou claro que não se sentiria bem se soubesse que sua decisão fosse pautada por qualquer sentimento de pressão que viesse de sua parte.
(...)
Ele ouviu... Depois disse que já não sabia o que desejava.
Levantou-se e colocou um disco na vitrola... Pensou que se não se mudassem para a Itália não teria muitas ocasiões para ouvir as músicas que apreciava... Não partir era uma possibilidade... Se não se mudassem sabia bem o que o esperava...
Nesse último caso, tinha em mente que saberia como se comportar... Não recairia em certas armadilhas... Mas não teria como evitar outras tantas.
Quando o vinil começou a girar no prato, perguntou à Nadine se não gostaria de ouvir música por um instante...
Sinalizou que deviam manter a calma, pois não tinham de resolver nada naquela noite.
Não havia pressa... Não precisavam falar mais a respeito da mudança.
Ele já chegara a uma decisão, e estava convicto.
Fim da Parte XI.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – sobre o sucesso literário de Henri e cartas de leitores; Nadine questiona as convicções do marido em relação à mudança para a ensolarada Porto Venere; o que fariam com o “tempo de sobra”?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_24.html antes de ler esta postagem:

A Argus era uma revista sobre arte e publicações diversificadas... Nadine disse que a última edição apresentava uma crítica positiva ao romance lançado por Henri... Ele não deu importância e disse apenas que a Argus conseguia manter-se... Nadine comentou que ela bem
podia ser semanal.
Neste ponto, Henri se lembrou da indefinição de Dubreuilh em relação ao semanário que o tal Manheim desejava financiar. Como se sabe, os comunistas e os demais que o acompanhavam viam com muito bons olhos a iniciativa.
Nadine observou que o pai só não se animava na empreitada porque fazia questão da participação de Henri... Este respondeu que não havia motivo para não avançar, pois era certo que não faltariam colaboradores confiáveis... Ela disse que Robert Dubreuilh estava mudado, a idade alterara o seu modo de ser... Talvez por isso tivesse a necessidade da companhia de alguém para ajudá-lo naquilo que se julgava incapaz.
A questão era essa... Então Henri quis encerrar o assunto garantindo que Robert acabaria por se decidir, pois todos o empurravam na direção da publicação.
Nadine quis saber se o marido gostaria de participar do projeto... Talvez se não se mudassem para a Itália... Henri respondeu que um dos objetivos da mudança era justamente afastá-lo daquele tipo de engajamento... Ela completou que buscava um belo lugar repleto de sol... Ele concordou.
(...)
Na sequência, Nadine pediu as cartas que Henri havia lido.
Enquanto ela manipulava os envelopes e seus conteúdos manuscritos, ele folheava sem muito interesse os exemplares de Argus... Pensava somente que não voltaria a se envolver em nada parecido com a Vigilance.
Nadine comentou a carta de um jovem que dizia que a vida de Henri era-lhe um exemplo... Ele achou graça, mas a esposa defendeu o leitor dizendo que o tipo havia compreendido uma série de mensagens do escritor.
Henri explicou que o jovem havia exagerado na opinião manifestada... O fato é que os juízos dos fãs têm pouca importância... Nadine perguntou o que se podia pensar a respeito dela... Ele respondeu que não devemos ter este tipo de preocupação... Isso não nos leva a nada.
O tema da conversa levou-o a refletir sobre o seu modo de ser escritor na Itália... De certo modo, percebia a dificuldade que teria para “evitar pensar em si”... De repente disse à Nadine que ela tinha Maria, certamente teria de se dedicar à sua formação... Além disso, havia coisas que a interessavam, e ela não deixaria de vivenciá-las.
Nadine arrematou que em Porto Venere teriam “tempo de sobra”... Henri quis saber se essa constatação lhe causava medo... Com sinceridade, ela respondeu que até não ter a passagem em mão nunca tivera certeza da viagem...
Ela perguntou se ele acreditava que a viagem de fato ocorreria... Henri respondeu que “evidentemente”... Nadine disse que não considerava tão evidente assim... Depois comentou que, enquanto não estivessem a bordo do trem, aquele enredo bem podia se passar como que uma brincadeira... Será que ele tinha certeza de que tinha vontade de partir? Ela quis saber.
Henri perguntou se sua dúvida devia-se ao fato de achar que ele se aborreceria com ela... Definitivamente não era esse o caso...
Nadine respondeu que o ouvira falar muitas vezes que a vida a dois não o aborrecia... Sua dúvida era em relação “ao todo”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 24 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – início da ordem mundial conhecida como “guerra fria”; Dubreuilh partiu para Lião em defesa da paz; de discursos e outras formas de mobilização que nos tornam um pouco mais sujeitos da História

                                                           Feliz Natal a todos;
                                                           Boas Festas.

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-uma.html antes de ler esta postagem:

Alguns dias se passaram... Os jornais nada noticiaram a respeito do sumiço de Sézenac... Henri experimentava uma sensação ruim, como se ainda pudesse sentir o cheiro do corpo que havia queimado no pavilhão... Exatamente por isso é que a imagem enegrecida do cadáver, seu corpo inchado e a barriga aberta não lhe saíam da cabeça.
As manchetes dos jornais davam conta do rompimento diplomático entre os antigos aliados e a URSS... Talvez Vincent estivesse certo quando dissera que a guerra logo ocorreria. Os homens são como ratos mesmo.
(...)
Chegou o dia de conduzir Dubreuilh à estação... Nadine os acompanhou... Robert partiria para Lião, onde discursaria pela paz... Sem dúvida sua missão era carregada de dignidade, sobretudo naqueles dias que cheiravam à pólvora.
Ao longe, Henri acompanhou Robert, que cumprimentou companheiros antes de entrar no trem... À distância, Perron experimentou certo ressentimento e viu-se excluído das mobilizações dos ativistas.
(...)
Na sequência, o casal providenciou a passagem de Nadine para a Itália.
Os temores de guerra levaram-na a questionar se partiriam independentemente do desenrolar dos acontecimentos... Henri respondeu que a única coisa que podia ocorrer era adiarem a partida, mas isso era algo em que ele não acreditava sinceramente. Em vez disso, previa uma diminuição das tensões.
O resto do dia foi tomado por compras de discos e alguns objetos para a decoração do lar italiano... Aproveitaram para passar pelos escritórios da Vigilance e de L’Enclume... Encontraram Lachaume e ficaram sabendo de sua opinião a respeito da situação internacional... Ele estava bem preocupado... Todavia o partido havia assumido definitivamente o caso malgaxe, e com isso se mostrava animado, embora não se pudesse fazer muito... A sentença sairia, o PC francês publicaria notas, petições, organizariam comícios...
Henri e Nadine aproveitaram o resto do dia para uma sessão de cinema... Enquanto rodavam pela estrada, ela tecia questões que o marido não tinha condições de responder... O que ele faria se fosse convocado para uma eventual mobilização militar? O que ocorreria se os russos ocupassem Paris? E se os Estados Unidos se saíssem vencedores?
(...)
À noite jantaram com Anne... Logo que ela se retirou, foram para o escritório. Nadine deu-lhe dois envelopes e, enquanto ele verificava o conteúdo, pôs-se a dizer que se sentia envergonhada por viajar em carro-leito... Sempre viajara na terceira classe! Mas tudo era bem real... A passagem estava em suas mãos, o embarque era para breve. Ela mesma proferiu que se tratava de algo “terrivelmente real”.
Henri quis saber por que razão usava aquele linguajar... Nadine improvisou que “um embarque é sempre um pouco terrível”... Ele não concordou e disse que a incerteza é o que mais aflige... Assim, seria melhor que chegasse logo o momento de partirem.
Nadine perguntou se ele não se lamentava por não participar dos comícios comunistas anunciados por Lachaume.
Ele respondeu que os comunistas entrariam com tudo na questão... Isso significa que sua participação não era imprescindível... Além do mais a situação não se encerrava de um momento para outro... Um processo chegava ao fim (falava sobre o caso malgaxe) e logo outro se iniciava... Dessa maneira, se tivesse de remarcar a viagem por causa de uma mobilização específica, dificilmente teriam condições de colocar um termo... Era melhor por um “ponto final”.
(...)
Henri passou a ler a correspondência... Normalmente recebia cartas com muitos elogios e agradecimentos... Isso o deixava feliz, mas não era bem essa a sensação que o dominava naquela noite. Enquanto Nadine folheava o Argus, Henri pensava que Dubreuilh estava em seu compromisso a falar em defesa da paz.
Refletiu que numa situação de perigo para a humanidade era melhor fazer algo (como pronunciamentos) do que nada fazer... É claro que as palavras não evitam uma guerra, todavia elas não têm intenção ou condições de “mudar a História”...
Pelo menos podemos pensar que a vida ganha mais sentido a partir dos discursos que procuramos vivenciar, e assim nos tornamos um pouco mais sujeitos da História.
Pensou no avião que cai em altíssima velocidade... A melhor posição seria a do piloto, pois este estaria lutando para evitar a catástrofe. Seus passageiros estariam presos aos cintos e nada poderiam fazer senão esperar o momento derradeiro.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – uma conversa franca sobre o relacionamento; Henri ajuda Nadine a analisar sua experiência conjugal; o “refúgio no passado” formata posturas arrogantes e de desconfiança

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_27.html antes de ler esta postagem:

Nadine possuía uma grande angústia... Mas ela não queria partilhar com ninguém, principalmente com Henri.
Acontece que chegaram a um ponto em que não havia mais como fugir do tema. Ele sugeriu a ela que se abrisse... Ela sustentou que não podia porque se tratava de algo simplesmente horrível.
Obviamente Henri tinha ideia do que se tratava e demonstrou que não se surpreenderia com o que quer que fosse. Aos poucos Nadine se sentiu segura e falou. Mas foi Henri quem se antecipou a dizer que o que a atormentava se referia à sua gravidez, propositada para “forçar a união”.
(...)
E era isso mesmo. Esse tipo de diálogo chega a causar espanto na atualidade... Mas aqueles eram tempos em que as sociedades (por mais “liberalizadas” que fossem) recebiam com espanto as notícias sobre gravidezes antes do casamento. Famílias tradicionais exigiam o imediato casamento, ou davam um jeito de “esconder” a filha (enviando-a para um convento, por exemplo).
(...)
Nadine exclamou que se ele sabia desde o princípio devia considerá-la repugnante. Henri respondeu que jamais se casaria com ela se não a amasse de verdade, e explicou que também ela não o aceitaria se não fosse assim. Então aconteceu que o que engendrara lembrava um “jogo” do qual só ela participara.
No fundo os dois sabiam que ela não seria capaz de forçá-lo à união... Por outro lado a situação devia diverti-la, pois dava a entender que pressionara Henri a uma decisão que o tirava de seu confortável modo de ser.
Nadine percebeu que ele chegara a uma conclusão adequada. Disse-lhe que de qualquer modo sua atitude havia sido horrível... Henri não concordou e disse que havia sido “inútil”, já que considerava que mais cedo ou mais tarde se casariam e certamente teriam filhos.
Essa afirmação a espantou. No mesmo momento quis que ele confirmasse... Henri reafirmou e isso devia levá-la a entender que jamais se uniriam se isso lhe fosse desagradável.
Mas não era só isso. Ele quis que ela entendesse também que seria desagradável se não a amasse... Nadine insistiu que podemos vir a gostar da companhia de alguém sem amá-lo verdadeiramente.
Também a isso Henri teve de redarguir... Disse que com ele não era dessa forma... Depois emendou que tudo era uma questão de admitir que ele a amava verdadeiramente. Levou em consideração que ela era mesmo desconfiada, mas sustentou que quando se envolveu com Diego não problematizava tanto.
(...)
Nadine respondeu que a situação era bem diferente... É que se sentia “dona” do rapaz. Diego lhe pertencia... Henri não objetou, mas salientou que esse era também o seu caso... Evidentemente não havia comparação, já que Diego era pouco mais que uma criança e se foi antes que se tornasse um adulto de verdade.
A situação estava posta... Não era a diferença de idade entre os dois que iria atrapalhar a relação... Nadine não discordou, mas sentenciou que “a vida com Henri” jamais seria como “a vida com Diego”.
Henri mostrou que aquilo era óbvio... “Não há dois amores que sejam iguais”... Não adiantava ela buscar situações que não faziam parte da vida que ambos levavam, pois evidentemente não as encontraria.
Ao que tudo indica, Nadine entendeu o raciocínio e a análise do marido... Respondeu que jamais esqueceria Diego.
Henri disse que não havia problema nenhum... Sugeriu que não se esquecesse de seu antigo amor... Mas ressaltou que ela não podia se arvorar nas recordações e idealizar a relação que experimentavam no presente... Ao “se refugiar no passado”, Nadine assumia ares de superioridade perante todos.
Ela sabia disso... Manifestou que se sentia presa ao passado. Henri a compreendia e explicou também que não advinha de suas recordações a “má vontade de viver”... As lembranças serviam como justificativas... Sua “má vontade” se relacionava a ressentimentos e desconfianças.
Ele citou como exemplo a própria situação que vivenciavam... Ela duvidava que ele a amasse, então passava a querer-lhe mal... Para punir-se não se abria e desconfiava. Era um “círculo vicioso”!
O que ela precisava admitir é que era amada por ele... Henri disse que, por isso, merecia a sua confiança... Ela cometia grande injustiça ao permanecer desconfiando de seus sentimentos.
Um tanto desolada, Nadine disse que não há como sair de um “círculo vicioso”. Henri a abraçou e respondeu que era uma questão de tomar uma decisão de confiança... Talvez ela pensasse que ele não merecesse, todavia era melhor estabelecer o laço do que tratá-lo injustamente. Afinal, apesar de ser mais velho, não se tratava de um juiz e tampouco podia ser comparado ao Diego.
(...)
A conversa franca terminou com um pedido de perdão. Henri ajudou-a a deitar-se para o merecido descanso.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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