quinta-feira, 31 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – mais considerações sobre o “modo ioruba de ser”; Awolowo advogado, fundação do “Nigerian Tribune” e propagação dos ideias da Egbe Omo; “Federação da Nigéria” e as possibilidades de atuação política; fundação do Action Group Party, Awolowo premiê do Governo da Nigéria Oriental

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Kapuscinski destaca ainda outros elementos que compunham o “modo ioruba de ser”: sua língua é tão complicada que, em sua opinião, aprendê-la seria tão complicado quanto o chinês; a vestimenta daquela gente é rica, seus trajes são “distintos, aristocráticos”; as mulheres vestem-se de azul, que, entre eles, é “a cor do amor”; sua cultura é marcada pela sensualidade*...
A respeito desse último elemento, o autor garantia que foi “transportado” para a América Latina (sobretudo Brasil e Cuba) com os escravos** que foram extraídos da região.

            * Para o polonês, algumas danças vistas em Havana, Rio de Janeiro e até no
            Haiti apresentam traços da sensualidade ioruba.
            ** A respeito da escravidão, o autor sustenta que os iorubas guerreavam
            entre si e que os vencedores vendiam seus prisioneiros como escravos.


(...)
Awolowo se formou em Direito... Retornou à sua terra em 1947... Constituiu escritório, tornou-se respeitado e reconhecido.O ofício da advocacia sempre foi de muito prestígio entre os africanos, pois as pessoas viam o advogado como “alguém que conhece as leis, que pode processar os inimigos, e que não é ‘passado para trás’”.
Dois anos depois, ele fundou o “Nigerian Tribune”, que se tornou o principal veículo de propagação de suas ideias... Aos poucos a mensagem da Egbe Omo de defesa da causa ioruba se difundiu entre a sua gente.
Nos tempos coloniais (de protetorado) já havia regulamentação imposta pelos ingleses, que permitiam a atuação limitada de partidos políticos*... Dessa maneira, pelo menos na Nigéria, a questão da libertação não se dava “em campos de batalha ou em meio ao fogo revolucionário”... As agremiações políticas que desrespeitassem a lei (o “constitutional progress”) eram simplesmente fechadas pelos britânicos...

            * Instituiu-se a Federação da Nigéria... Os ingleses permitiam que as três
            regiões reconhecidas por serem ocupadas por iorubas (Leste), hausas
            (Norte) e ibos (Oeste) tivessem governos próprios...

Portanto os advogados (retomando a condição de Awolowo) eram essenciais aos partidos e jornais... Não era por acaso que entre os “membros do Parlamento Nigeriano” havia muitos advogados... Apenas “homens de negócio” os superavam em número.
(...)
A Egbe Omo Oduduwa passou a contar com um Partido Político, o Action Group Party, fundado por Awolowo em 1951...
Três anos depois, esse partido assumiu o “Governo da Nigéria Oriental”... Awolowo tornou-se o chefe desse governo.
Governar apenas a porção oriental da Nigéria não era suficiente para Awolowo... Também as lideranças hausas ou os chefes ibos pretendiam se tornar senhores de todo o país. O problema é que não havia a menor possibilidade de entendimento entre as três nações, já que uma pretendia exercer poder sobre as outras...
(...)
Iorubas, ibos e hausas aceitavam formar a “União da Nigéria”... Desde que eles a governassem.
Kapuscinski sustenta que o poder de cada líder se limitava à região habitada por seu povo...
Fora dela sofriam discriminação dos demais.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 30 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – outras informações da biografia de Awolowo; formação e fundação da Egbe Omo Oduduwa; características e objetivos da Egbe Omo; das diferenças entre os iorubas e as nações rivais

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Sobre Awolowo, Kapuscinski esclarece que se tratava de político da “mais antiga geração”... Seu nascimento data de 1909... Era um filho de camponeses que viviam nas proximidades de Lagos, região ioruba.
(...)
Após a formação básica escolar, atuou como professor e jornalista... Também foi empresário na “área de transporte”...
Em 1944 mudou-se para Londres, onde estudou direito... Foi na época em que era universitário que fundou a Egbe Omo Oduduwa (Oduduwa é “antepassado divino” de todos os iorubas).
Essa associação era “uma espécie de maçonaria tribal” que atuava secretamente... Seus integrantes nunca manifestavam publicamente seu vínculo com a Egbe Omo... Muitos os viam como mafiosos... Para os mais “convictos”, suas reuniões eram importantes porque “definiam o futuro dos iorubas”.
(...)
Awolowo era fundador e mentor da Egbe Omo... Na direção do movimento havia um brasileiro (Adeyomo Alakija) nomeado por ele mesmo...
Os objetivos da sociedade secreta estavam estabelecidos num programa “bem costurado”... Pretendia-se “desenvolver e reforçar o nacionalismo dos iorubas”; “reforçar as instituições monárquicas dos iorubas”; “criar a nação ioruba”.

            * Cabe ressaltar: Não era o pan-africanismo e tampouco a
            unidade nigeriana o que Awalowo e seus congregados pretendiam...
            Eles defendiam a supremacia iorubana... Para isso seria preciso um
            processo de autodefinição de seu povo, que passaria a se reconhecer
            como diferenciado em relação aos demais.

(...)
O lugar dos iorubas na Nigéria é a porção oriental do país.
De acordo com o próprio Awolowo, na segunda metade da década de 1960 havia cerca de 13 milhões de iorubanos.
Havia quem dissesse que essa população não passava dos 6 milhões.
Para Kapuscinski, um número entre esses dois dados poderia corresponder à verdade sobre o contingente iorubano.
O fato de, historicamente, os iorubas sempre viverem em cidades os tornava diferenciados em relação às demais nações da Nigéria. Ibos e hausas eram considerados agrários e tradicionalmente estabelecidos em vilarejos.
(...)
Os iorubas se distribuíam em várias cidades-estados... Cada uma delas possuía o seu rei, conhecido como “oba”. Havia 52 níveis hierárquicos em que os obas eram “classificados” e reconhecidos.
Kapuscinski compara o modelo ioruba ao do descentralismo feudal europeu da Idade Média... Para os conterrâneos de Awolowo, a grande quantidade de reis era motivo de orgulho... Pode parecer contraditório, mas o fato é que isso (o descentralismo político) conferia traços democráticos àquela sociedade.
A maioria almejava alcançar a condição de grande proprietário que exerce poderes sobre determinada área... Desejavam também se tornar “homens de negócio”... Mas esses intentos eram coisa que bem poucos conseguiam.
O cacau era o principal produto exportado pelos iorubas... Apenas os ashantis, de Gana, rivalizavam com eles nesse ramo.
(...)
Não é difícil notar que, por vários motivos, a fama dos iorubas provocava melindres... Os ibos, por exemplo, consideravam-nos “convencidos, briguentos e trapaceiros comerciais”... Diziam que suas discussões eram sempre acaloradas e que a gritaria dominava o diálogo entre eles.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 29 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a libertação de Awolowo, “a grandiosidade em pessoa”; considerações diversas sobre a personalidade “iluminada e messiânica”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_27.html antes de ler esta postagem:

O dia 3 de agosto de 1966 ficou marcado pela libertação de Obafemi Awolowo.
O grande líder dos iorubas permaneceu preso por anos na carceragem de Calabar... O regime do tenente-coronel Gowon o libertou.
(...)
A leitura de “A Guerra do Futebol” permite conhecer um pouco do prestígio de Awolowo que, mais do que líder político, era considerado um “messias iluminado”.
O “Nigerian Tribune” destacou que a libertação de Awolowo ao meio-dia provocou um fenômeno que todos deviam conhecer: “as trevas se desfizeram e, no céu, raiou a aurora”.
Bola Oragbaiye era daqueles que labutava em reflexões que pretendiam entender os motivos de Awolowo possuir tanta “grandeza”... Qual seria o segredo?
Oragbaiye escrevia no “Nigerian Tribune” sem alimentar expectativas de que, um dia, pudesse apresentar resposta ao mistério fenomenal...
Havia outros, como Omo Exum, que entendiam que as virtudes de Awolowo eram infinitas...
O consenso era o de que o líder era dotado de “aura divina” e estava “acima de todos”. Então, qualquer manifestação de ceticismo devia ser vista como “insanidade mental”.
(...)
G. B. A. Akinyede escreveu “Awo Homem, Awo Profeta, Awo Salvador”, brochura que circulava em meio à população. Para o autor, a libertação do líder havia provocado “explosões de alegria em toda a África, em todos os países da Comunidade Britânica e em todo o mundo”...
Passava-se a ideia de que a Providência Divina havia intercedido para que sua libertação se efetivasse... E que, graças a Ela, “as trevas se dissiparam”...
É o próprio Akinyede quem dava a entender que, com a prisão (o Hades de Awolowo), “o mundo caiu na escuridão”, “o céu se cobriu de nuvens e o dia se fez noite”... Houve “terremotos, epidemias, perfídias e grandes sofrimentos”.
A libertação permitiu que Awolowo “solicitasse o retorno da luz”... Assim, a paz retornou e os terremotos (as epidemias, perfídias e demais sofrimentos) cessaram.
A partir desse ponto de vista, Awolowo, devia ser encarado como “glorioso salvador”... Sua personalidade só poderia ser comparada à dos profetas do Antigo Testamento... Uma vez que o consideravam profeta, devia ser entendido como “líder extraordinário”, a “grandiosidade em pessoa”.
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Relacionavam-no ao próprio Jesus Cristo.
Assim como o Crucificado, o líder político nigeriano também conviveu com traidores e pessoas que o renegavam... Sua presença em meio aos demais era um “milagre”, obra de Deus, que a todos perdoara ainda que “soubessem o que faziam”.
Elleh Kcorr ia ainda mais longe com suas apreciações sobre Awolowo... No “Nigerian Tribune” (saberemos por que este jornal publicava tanto, e de modo exagerado, a respeito da dignidade do grande líder) afirmava que a sua libertação representava o “nascimento do tão necessário messias” que salvaria a Nigéria “de um colapso total, excepcionalmente sua região oriental”.
Kcorr acrescentava que era espantoso que alguém tão grandioso como Awolowo tivesse corpo e alma (e “aparência de homem comum”) como os demais mortais.
(...)
O poeta Jola West escreveu “A história de coragem de Awolowo”, poema que celebra a libertação do grande herói e canta a sua majestade, direito de reinar e sua celebridade diante de uma multidão de anjos e almas...
Norte, Sul Leste e Oeste deveriam se curvar diante dele.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 27 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a respeito do tenente-coronel Yakubu Gowon; oficiais ibos, hausas e iorubas manifestavam intolerâncias também no exército; síntese da análise de Dan Zaki, jurista nigeriano, a respeito da grande quantidade de golpes de Estado na África até meados da década de 1960

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_2.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski escreveu mais sobre a Nigéria e a crise política.
Suas reflexões datam do segundo semestre de 1966... Todavia já fazia um bom tempo que o país era palco de agitações sociais... Os problemas de então possuíam raízes profundas e remontavam ao período colonial.
Para uma melhor compreensão do panorama nigeriano, o autor analisou os periódicos... Evidentemente a crise não podia ser explicada apenas do ponto de vista dos guias espirituais e de fanatismos religiosos... Mas não há como desprezar esse dado concreto da realidade nigeriana.
É por isso que (como ficou evidenciado na postagem anterior) o repórter dedicou alguns parágrafos de seu “A Guerra do Futebol” para repercutir os delicados eventos protagonizados por “profetas” e outras lideranças religiosas que apresentavam receituários diversos para a solução dos problemas políticos do país.
(...)
Aqueles eram dias de mudanças de governo. O tenente-coronel Yakubu Gowon, de trinta e dois anos, havia assumido o comando do país.
O repórter polonês o descreve como um tipo “esbelto, bem apessoado e muito inteligente”, uma liderança que levava vida simples, de caserna... Praticamente não deixava o quartel. Apresentou-se à coletividade por ocasião de uma entrevista, e foi só.
Era com forte esquema de segurança que circulava por Lagos... Seguia numa Mercedes verde sempre escoltada por soldados armados em jipes dotados de metralhadoras... O seu caminho era aberto por um veículo policial que se anunciava ao longe com sirene ensurdecedora. A aglomeração das pessoas nas calçadas interessadas em saudá-lo era notória.
(...)
O exército protagonizava os eventos políticos... Não era a primeira vez, e não seria a última...
Pode-se dizer que entre os militares ocorria a mesma intolerância (o ódio tribal) percebida entre os civis... Uns atiravam contra os outros! Não era por acaso que a maioria das vítimas pertencia ao exército, que estava reduzido à metade... Os jovens oficiais participavam de discussões calorosas e quando elas se tornavam brigas declaradas sempre havia quem disparasse primeiro sua arma de fogo.
Ninguém podia dar garantias a respeito da lealdade dos vários regimentos ao governo... O clima de desconfiança era muito grande... O golpe anterior havia sido marcado pela perseguição e assassinato que os oficiais da etnia ibo impuseram aos militares de origem ioruba e hausa.
O golpe que conduziu Yakubu Gowon ao poder foi uma espécie de revanche em que se viram oficiais iorubas e hausas assassinando os de origem ibo.
As precauções não eram infundadas... Entre aqueles militares nenhum conseguia uma noite tranquila de sono.
Kapuscinski compara a realidade africana (particularmente a da Nigéria) aos dramas políticos de Shakespeare em que “os heróis morrem, os tronos são cobertos de sangue e o povo contempla aquela terrível visão da morte em silêncio e com horror”.
(...)
A melhor análise recolhida por Kapuscinski foi a de um jurista nigeriano, Dan Zaki, em artigo para a “African Statesman” (uma revista quadrimestral) sobre “golpes de Estado perpetrados pelos militares na África”.
De acordo com Zaki, golpes militares passaram a ser tão frequentes nos jovens países africanos que tinham se tornado “parte integrante e inseparável da vida política” daquelas nações.

E mais:
* Os “países independentes da África estavam doentes”... Governos brutais, e ao mesmo tempo ineficientes, não davam a menor chance aos “reclamos da sociedade”... Em vez disso, habituou-se a criar mecanismos que tornavam impossível “qualquer forma legal de eles serem substituídos”;
Daí os inúmeros golpes de Estado.
* “As fronteiras da maioria dos países africanos” não eram nada mais do que resultado da arbitrariedade dos colonizadores imperialistas... Os países que surgiram após a partilha e processo de emancipação continham “diversas tribos e culturas, cujas diferenças são a fonte das tensões políticas”;
* As classes dominantes que se estruturaram nesses países (“burguesias nacionais”, de acordo com Zaki) estavam corrompidas e desprezavam descaradamente os eleitores... Por conta da arbitrariedade das mais ricas nações europeias em relação à configuração política dos territórios nacionais africanos, a crise econômica de cada um deles apenas se agravava no decorrer dos anos;
* A maioria dos políticos portava-se cinicamente despreocupada em relação à crise vivenciada pelas camadas mais simples. De um modo geral, as propagandas de governos eram marcadas por pomposos slogans supostamente calcados no “bem comum”, mas na prática sua propalada “política de investimentos” não ocorria porque “os recursos nacionais” acabavam transferidos “para as contas particulares dos políticos”;
* Enquanto o poder de compra dos salários da gente trabalhadora diminuía, o tesouro público era minado pelas sempre caras e “extravagantes viagens dos políticos e seus familiares”;
* Também os membros do parlamento envolviam-se constantemente em fraudes eleitorais e outras corrupções. Tudo isso sem serem incomodados pela imprensa, cada vez mais “medrosa, desorientada e às voltas com sofismas em vez de com comentários mais honestos e mais profundos”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 26 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – o verão de 1966 e a influência religiosa na política nigeriana; publicações a respeito das iniciativas dos guias espirituais; apóstolos, vigários, profetas; a célebre profecia de Oba Salamu Aminu J. T. Durojaiye (de Ibadan)

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_26.html antes de ler esta postagem:

Os guias espirituais nigerianos davam a entender que a instabilidade política do país só podia ser resultado do afastamento do povo em relação a Deus...
Alguns atuavam como profetas e anunciavam golpes e atentados contra dirigentes.
A lista dos periódicos que repercutiam as iniciativas de igrejas e religiosos não é pequena...
Os casos são variados... Em geral nota-se que os guias espirituais esperavam contribuir com suas orações e retiros para que Deus protegesse as lideranças políticas e a população do país.
Na última postagem conhecemos as citações que o autor extraiu de “Nigerian Daily Sketch”... Nessa conheceremos algumas outras.
(...)
Outro exemplo destacado por Kapuscinski é o do jornal “Morning Post”, que publicou a respeito da iniciativa do apóstolo Adeleke Adejobi, da Igreja do Senhor... Adejobi convocou os fiéis de sua igreja a participarem das orações no monte Tabor (nas proximidades de Ogere), onde pediriam “pelo retorno da paz e da unidade na Nigéria”.
O mesmo “Morning Post” evidenciou o sermão do vigário da Catedral de Cristo (Lagos)... F. O. Segun sentenciava que a crise política da Nigéria estava tão aguda que se o próprio “Jesus Cristo quisesse visitar Lagos, não Lhe seria concedido visto de saída e a televisão não se interessaria em filmá-Lo”.
Já o “Daily Times” deu espaço para as palavras de Nathanel O. Saleko, líder da Igreja Metodista (Ibadan)... O religioso chamou “o país inteiro para um renascimento moral” defendendo que apenas a união em torno dessa ação poderia tornar “possível uma luta sem tréguas contra o terrível demônio da discórdia” que destruía a nação.
A edição de 11 de agosto de 1966 do “West African Pilot” deu destaque à visão do profeta Glover Ola Olorum Ogung-Bamila Pedro Ilaie, que pertencia à Igreja de Jesus (Lagos)... De acordo com o jornal, o profeta teve a “revelação” em 6 de junho e decidiu comunicar imediatamente o chefe de governo do país, que na época era o general Aguiyi-Ironsi... De acordo com o profeta, o general corria perigo...
O “West African Pilot” lamentou o fato de não darem crédito ao líder espiritual, preso pela polícia... Duas semanas depois, Aguiyi-Ironsi “foi raptado e assassinado”.
Depois de libertado. O profeta anunciou que nova tragédia política ocorreria no país... Novamente preso, Glover Ola Olorum Ogung-Bamila Pedro Ilaie declarou à imprensa que sendo profeta que falava em nome de Deus jamais se calaria, pois se sentia na obrigação de alertar a nação sempre que tivesse alguma revelação sobre novas desgraças.
(...)
Manifestações de profetas a respeito de intempéries na política nacional não eram incomuns... É bem verdade que as situações de crise não eram incomuns... Havia os que davam muito crédito; havia os que viam os guias espirituais com muita desconfiança.
Pelo visto, o “West African Pilot” era dos que tinham os profetas em elevada consideração... A prisão de Pedro Ilaie não foi considerada prudente pelo jornal, que destacou que o golpe de 15 de janeiro (o primeiro na Nigéria) havia sido previsto pelo profeta Oba Salamu Aminu J. T. Durojaiye (Ibadan).
A respeito dessa “profecia”, Kapuscinski destaca que ela foi publicada na véspera do golpe pelo “Nigerian Tribune”... Reproduções fotográficas do primeiro-ministro Balewa e do presidente Akintola foram estampadas na edição juntamente com a fotografia de Durojaiye e o texto alusivo à profecia... Vinte e quatro horas após a “publicação histórica”, Balewa e Akintola foram assassinados pelos golpistas.
(...)
A publicação da profecia de Durojaiye (e das imagens dos líderes políticos que caíram em 15 de janeiro) é reconhecida como “uma das maiores curiosidades jornalísticas” da Nigéria...
No texto que saiu no “Nigerian Tribune” (e que foi reproduzido pelo “West African Pilot” no verão de 1966), o profeta explica que havia visto “um enorme rebanho caindo do céu sobre a Nigéria”... Por causa disso, o povo fugia para a selva e subia nas árvores... O esforço era extenuante e, por causa dele, todos suavam copiosamente... Um “grito retumbante” anunciava “Guerra! Guerra!”.
Durojaiye esclarece que perguntou a Deus o que aquela visão significava... O próprio Deus respondera que em breve a Nigéria estaria em guerra...
Depois Durojaiye quis saber o que devia fazer... E Deus o teria aconselhado a avisar ao Conselho de Ministros a respeito da visão... O povo devia orar pedindo a Deus para que Ele mesmo assumisse a defesa do país.
Por fim, Durojaiye deixa claro que em 1962, na companhia do rei Oba Akinyele, distribuiu folhetos com suas previsões, mas o governo não lhe deu atenção.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – proselitismo, intolerância e ódio nas páginas de “Nigerian Tribune”; de volta para Lagos; o verão de 1966 e a influência religiosa na política nigeriana

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Kapuscinski permaneceu no posto policial da pequena Idoroko enquanto aguardava que providenciassem um veículo para a sua escolta até Lagos...
Passou o tempo lendo matérias do “Nigerian Tribune” que pertencia à UPGA... Destacamos os recortes que o próprio autor selecionou para “A Guerra do Futebol”:

            “A nossa luta continua... Entre outros, os nossos ativistas queimaram viva a estudante de oito anos, Janet Bosede, de Ikere. O pai da menina votou no NNPD.”

            “Em Ilesha, foi queimado vivo o fazendeiro Alek Aleke. No caso, o grupo de ativistas aplicou o método spray in lit, também conhecido como ‘as velas da UPGA’. O fazendeiro estava retornando às suas terras, quando foi agarrado pelos ativistas que o obrigaram a se despir. O fazendeiro tirou a roupa, se pôs de joelhos e implorou por misericórdia. E foi nessa posição que foi banhado de benzol e queimado vivo.”

Como se pode depreender, o conteúdo do jornal era carregado de apologia das ações terroristas dos militantes rebeldes contra os inimigos políticos... Ficava evidente que, além de legitimar a violência, o periódico alimentava a intolerância e o ódio.
Ao ler a matéria, o polonês soube que ele próprio havia corrido o risco de se tornar uma das “velas da UPGA”.
(...)
Os policiais não conseguiram nenhum veículo que pudesse escoltar Kapuscinski até Lagos.
Apesar dos receios que nutriam, três policiais entraram no Peugeot... O próprio jornalista dirigiu enquanto os tiras se acomodaram mantendo os canos de suas armas apontados para fora.
Passaram pela barreira que havia sido atravessada a plena velocidade por Kapuscinski... Ali já não havia concentração de rebeldes... Nas outras duas, onde ele sofrera barbaridades e teve de desembolsar o pouco dinheiro que carregava, ainda havia movimentação, mas os agitadores deixaram-no passar por causa dos policiais que o acompanhavam...
Também os tiras não queriam confusão e foram taxativos ao dizerem que ele não devia parar o carro... Com aquelas pessoas não se podia vacilar... Eles mesmos não tinham o hábito de andar armados, e sabiam que provocações desnecessárias podiam resultar em atentados como os que vitimaram muitos de seus colegas.

(...)

Na sequência o autor apresenta considerações sobre o panorama político nigeriano durante o verão de 1966...
Nota-se que a religiosidade era algo que contava muito para aquele povo... Lideranças cristãs, muçulmanas e as dos tradicionais cultos e ritos tinham espaço nos jornais... Dava-se muito crédito às pregações de caráter profético e também àquelas que orientavam o povo às atitudes penitentes.
Acreditava-se que a oração e a contrição favoreceriam os rumos políticos da nação, reconhecidamente dividida.
Kapuscinski sentencia que a Nigéria havia rezado muito naquele verão... Diariamente os jornais estampavam “orações pela salvação da pátria”... Nota-se que, para muitos nigerianos, apenas a devoção religiosa poderia livrar o país de uma tragédia política.
Vários periódicos são citados...
O “Nigerian Daily Sketch”, por exemplo, publicara que o “profeta da Igreja Apostólica de Cristo em Akure” conclamara os fiéis a permanecerem por três dias jejuando na igreja, para que Deus “ajudasse o novo regime em todas as suas ações”...
Também no mesmo jornal pôde-se ler que Alhadji Liaidi Ibrahim, “grão-imã da mesquita central de Lagos” orientara os muçulmanos da capital a orarem a Alá para que o governo do tenente-coronel Yakubu Gowon fosse bem sucedido e que ele fosse guiado por Alá para que o país recuperasse “a paz e a unidade”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 25 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – estrada da morte; ultrajado e embebido em benzol, um “milagre” evitou que o correspondente fosse queimado vivo; terceira barreira, e Kapuscinski arriscou ultrapassá-la a toda velocidade; em Idoroko, o auxílio policial

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No segundo bloqueio imposto pelos rebeldes da UPGA aos que viajavam pela estrada que adentrava os territórios iorubas, Kapuscinski teve certeza que eles não estavam para brincadeiras... Eles haviam acabado de barbarizar dois viajantes e o encharcaram com líquido inflamável. Pareceu-lhe que não teria como escapar dessa vez.
Para piorar a sua situação, um tipo que parecia ser o “chefe da operação” decidiu esmurrá-lo. A essa altura o medo dominava completamente a sua consciência... Como sobreviver àquele massacre?
O ritual prosseguiu com as pontas de facas sendo aproximadas de seus olhos e coração.
De repente, completamente embriagado, o líder dos rebeldes apoderou-se do dinheiro que estava sendo disputados pelos seus comandados... Ele começou a esbravejar “Power! UPGA must get power! We want power! UPGA is power!”, e pôs-se a rir escandalosamente...
Isso contagiou aos demais.
(...)
Foi como um milagre...
Liberaram Kapuscinski...
À sua volta as pessoas gritavam a sigla do partido e levantavam as mãos com o “V” da vitória.
Transtornado, o correspondente voltou a rodar pela estrada... Mas apenas uns poucos quilômetros mais à frente avistou nova barreira incendiária...
Sem dinheiro e cheirando a benzol, passou a almejar apenas não ter de sofrer novas agressões.
Pensou que a única saída seria passar a toda velocidade pelos rebeldes... O Peugeot poderia pegar fogo, mas talvez isso fosse melhor do que padecer nas mãos dos impiedosos e intolerantes ativistas da UPGA.
Acelerou alucinadamente... Já próximo à barreira, atingiu 140 km/h... Buzinou para anunciar que não pararia... Notou que os tipos levantavam suas facas e sinalizavam para que freasse... Mas ele estava decidido a passar de qualquer jeito.
(...)
O temor e o desejo de se manter vivo impediram que ele parasse.
O choque foi inevitável... O carro saltou e arrastou madeiras incandescentes sob o chassi.
Mas a barreira foi ultrapassada e, no ponto em que o veículo se posicionou, as garrafas com gasolina não podiam atingi-lo... A gritaria ficou para trás.
(...)
Para ter certeza de que estava livre, Kapuscinski percorreu mais um quilômetro a fim de certificar se o Peugeot ainda tinha condições de prosseguir rodando.
O aspecto do veículo era lastimável, mas ainda podia ser dirigido... O repórter é que se sentia esgotado fisicamente... Sentou-se na areia à beira do caminho e viu-se encharcado de suor e do líquido inflamável...
Sem saber onde estava, não conseguia reunir forças para reagir...
Foi tomado por tremendo enjoo, Mas sabia que não podia esperar que o socorressem... Sabia que o mais provável era ser encontrado por outros rebeldes.
Retornou ao carro e dirigiu até Idoroko, uma cidadezinha...
Avistou um posto policial, onde permitiram que se lavasse e descansasse um pouco. Kapuscinski explicou aos tiras que precisava retornar para Lagos, mas não tinha condições de viajar sozinho. Sensibilizado, o comandante local montou uma equipe para escoltá-lo.
Acontece que os policiais também tinham medo de passar pela estrada.
Enquanto foram providenciar um veículo na cidade, o polonês passou o seu tempo a folhear um exemplar do “Nigerian Tribune”, periódico que pertencia à UPGA e reproduzia matérias sobre as ações do partido.
O conteúdo causava arrepios.
Na próxima postagem conheceremos um breve recorte.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a caminho do território ioruba; estrada da morte, escapar com vida se tornara mais caro; vilarejos incendiados; viajantes considerados inimigos sofriam ataques mortais; nova barreira e Kapuscinski corre o risco de ser queimado vivo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_25.html antes de ler esta postagem:

Estamos neste ponto em que Kapuscinski foi barrado por rebeldes da UPGA na estrada que adentrava território ioruba... Cercado por tipos violentos e armados com rifles e facões, ele decidiu manter-se o mais calmo possível...
A certa altura começaram a exigir dinheiro como se isso fosse condição para sua filiação à UPGA... Kapuscinski entregou-lhes cinco xelins... Foi golpeado na cabeça... Deixaram claro que queriam cinco libras.
(...)
Novamente o autor recorreu às suas lembranças... Mesmo em situação de extrema pressão, concluiu que o trabalho dos jornalistas na cobertura dos conflitos na África estava se tornando oneroso demais... No Congo, por exemplo, os rebeldes agrediam com um golpe na cabeça e exigiam um maço de cigarros.
Aquele que parecia ser o líder dos rebeldes ordenou que colocassem fogo no Peugeot que Kapuscinski dirigia... O veículo pertencia ao governo polonês... Era certo faria falta.
Encharcavam o carro com gasolina quando o polonês estendeu-lhes as cinco libras. Depois disso foi autorizado a prosseguir.
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De fato, havia passado por terrível sufoco.
Enquanto os rebeldes retiravam os troncos para que pudesse passar, teve tempo de notar que dos dois lados da estrada havia concentração de moradores dos vilarejos próximos... Esses permaneciam calados. Estavam ali para assistir ao espetáculo de terror... Também eles carregavam bandeiras da UPGA e fotografias de Awolowo... Algumas garotas estavam com seus grandes seios à mostra (neles haviam pintado a sigla do partido)...
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Solitário, Kapuscinski prosseguiu sua viagem que cortava as belas paisagens da Nigéria...
Restavam mais cinquenta quilômetros, e sua preocupação passou a ser o pouco dinheiro que ainda lhe restava... Provavelmente insuficiente para sobreviver a uma nova barreira rebelde.
Passou por uma aldeia que ardia em fogo... Os moradores fugiram deixando animais para trás... Quilômetros à frente o carro foi barrado novamente.
Dessa feita a condição do polonês era ainda mais desfavorável...
Se o que havia sofrido no bloqueio anterior era o padrão adotado pelos rebeldes, não teria como pagar o “pedágio”.
Ele percebeu que os ativistas devidamente trajados com roupas que os identificavam como membros da UPGA enterravam um tipo que viajava pela estrada e que não quis (ou provavelmente não tinha como) pagá-los... Outro tipo que devia ser o passageiro do mesmo veículo jazia coberto de sangue.
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Os rebeldes dessa segunda barreira se aproximaram de Kapuscinski e foram logo desferindo dois socos contra sua barriga... Sem delongas, rasgaram sua camisa e confiscaram o dinheiro que trazia.
A narrativa contida em “A Guerra do Futebol” está à altura dos roteiros cinematográficos... O polonês pensou que o queimariam vivo... Ele sabia que esse era um dos modos de agir daqueles rebeldes.
O método dos ativistas era o do terror... Apelavam para a selvageria.
De fato, começaram a ensopá-lo com benzol...
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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