sábado, 16 de janeiro de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – “socialista sentimental” e “esquerdista de coração”; imaturidade política, conspirações, prisões e exílio durante o governo Ben Bella

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_15.html antes de ler esta postagem:

Ainda em defesa de Ben Bella, Kapuscinski afirma que ele não era ortodoxo e estava aberto a novos conceitos... Não era defensor ferrenho desta ou daquela posição doutrinária... Sua formação não se baseou em nenhuma escola com fundamentação ideológica... Engajou-se na luta contra o colonialismo porque desejou que seu país fosse livre.
Defendendo essa causa acabou preso... Pode-se dizer que quando chegou ao poder, amparado pela aliança com Boumédiène, seu entendimento sobre política se alinhava mais à direita... Conforme vivenciou o exercício político na presidência da Argélia aproximou-se instintivamente de um modelo que não agradava os mais conservadores... Diziam que ele se tratava de um “socialista sentimental” e “esquerdista de coração” porque passou a admirar o Socialismo... Ao que tudo indica, é por isso que ele não desprezava a companhia dos comunistas argelinos.
Ben Bella não pestanejou ao introduzir alterações em situações e costumes conservadores de seu país... Ao investir boa parte do orçamento em educação, possibilitava formação aos mais jovens; fez de tudo para garantir que os camponeses (felás) ficassem livres das explorações dos senhores ricos; “libertou escravos e lutou pelos direitos das mulheres” (pág. 126 de A Guerra do Futebol)...
Há o registro sobre o lamento de mulheres que ao saberem do golpe de 19de junho trajaram luto porque acreditavam que a manobra contra Ben Bella poderia levar os homens a trancá-las em casa...
(...)
Ao que tudo indica, Ben Bella passou a maior parte de seu governo lutando contra os oposicionistas... Pouco tempo sobrava para o trabalho em projetos sociais que acreditava.
Pelo visto a solução encontrada para derrotar os que lhe faziam oposição era persegui-los implacavelmente... Invariavelmente, os que não terminavam na prisão se mudavam para outro país.
Kapuscinski considera que faltava maturidade política para Ben Bella e seus adversários... As ameaças de golpe, tanto as reais quanto as que não passavam de boataria, foram uma constante... Antigos companheiros, homens que se tornaram importantes no governo e conhecidos por terem participado das lutas pela emancipação do país se tornavam notícia por terem seus nomes ligados a movimentos rebeldes. Muitos que foram detidos e condenados (inclusive à morte) só conseguiram a liberdade porque fugiram da prisão e se mudaram para o exterior.
Entre os que foram afastados de seus cargos ou detidos por ordem de Ben Bella destacam-se: Mohamed Khider (afastado do FLN, onde tinha a função de secretário geral, por fazer oposição direta ao governo); Mohamed Boudiaf (havia sido ministro e vice-presidente do GPRA, acusado de tentar um golpe de estado, foi preso); Aït Ahmed (líder cabílio, recusou-se a participar do governo; foi preso por fazer oposição ferrenha e incentivar sua comunidade ao conflito aberto); Ferhat Abbas (presidia a Assembleia Nacional e foi afastado por fazer oposição ao FNL); Rabah Bitat (vice de Ben Bella, também foi afastado por fazer-lhe oposição); el-Hazdi (coronel afastado sob acusação de fomentar a rebelião na Cabília).
(...)
Como se pode depreender, muita gente influente entendia que o governo Ben Bella era insatisfatório... Sem negociação, a intolerância ganhava espaço e dava margem para conspirações diversas... A agitação política não diminuía e é certo que muitos golpes anunciados eram mais do que boatos... Assim, as prisões ficaram abarrotadas também de “oposicionistas de segunda linha”.
O próprio Ben Bella colocava-se acima do FNL... Para Kapuscinski, faltava disciplina partidária. Segundo ele, essa situação impedia que os problemas da nação fossem pensados. O panorama levou-o a vaticinar que o amadurecimento político da nação levaria muitos anos.
Não havia um sistema ideológico definido... As lideranças rejeitavam o Capitalismo (pelo menos ninguém o admitia publicamente)... O Socialismo era conhecido superficialmente... Não se pode dizer que o regime favorecesse o Islamismo Ortodoxo.
Nem governo nem oposicionistas tinham uma concepção política clara... Rejeitavam certas premissas, mas isso era pouco. Havia muitos pontos de vista divergentes e eles eram colocados em preeminência... Como poderiam negociar sem discutir objetivos comuns? Talvez por isso os embates passassem para “o campo dos conflitos pessoais”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – desconfianças dos tradicionais políticos do GPRA em relação a Ben Bella e Boumédiène; Exército de Libertação Nacional, seu ativismo político e apoio à eleição de Ben Bella; dramas das nações de terceiro mundo e ciclos ditatoriais; aspectos positivos do governo Ben Bella listados por Kapuscinski

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia_14.html antes de ler esta postagem:

Vimos que o Exército de Libertação Nacional comandado por Boumédiène permaneceu por um bom tempo impossibilitado de atravessar as barreiras instaladas nas fronteiras “inexpugnáveis” tanto da Tunísia (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia_12.html) como no Marrocos...
Seus soldados estavam prontos a se dedicar também à luta política... Aliás, esse era o tipo de formação que as tropas revolucionárias recebiam... Numa das mãos o fuzil, e na outra a “bandeira de agitador”...
Os mais experientes integrantes do Governo Provisório e da FNL avaliavam os comandados de Boumédiène com muita precaução... Não foi por acaso que às vésperas da independência procuravam desarmá-lo. No dia 2 de julho de 1962 pediram o afastamento do comandante e de todos os oficiais mais próximos a ele...
Kapuscinski dá a entender que nem aceitavam com total convicção a posse de Ben Bella!
Mas sabemos que os dois eram firmes em seus propósitos e sem a menor intenção de se afastar da vida pública... Então, de certa forma, foi natural que ocorresse uma aliança entre Boumédiène e Ben Bella... Sozinhos não teriam condições de vencer a situação... Juntos, “passaram a depender um do outro”.
(...)
Kapuscinski garante que a relação entre Ben Bella e o Governo Provisório não era das mais afinadas... Em contrapartida, seu discurso em defesa do “conceito de um exército politizado” atraía os comandados da armada chefiada por Boumédiène... Seu Exército de Libertação Nacional era a “força coesa” na Argélia dos primeiros anos de independência. Ficou entendido que a presidência do país só poderia ser exercida por alguém que pertencesse ao Exército... Aos poucos, a maioria concordou com o nome de Ben Bella...
O apoio do Exército foi fundamental para a sua posse, mas desde então ficou claro que os militares estavam de olho nos atos do presidente.
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Kapuscinski discorda do modo como se referiram aos dois personagens aos tempos do golpe... Em sua declaração “exaltada e demagógica” de 19 de junho de 1965 (dia do golpe), os golpistas descreveram Ben Bella como “um demônio”... O L’unitá chamou Boumédiène de “reacionário”...
Para o autor de A Guerra do Futebol os dois eram patriotas e honestos... Contudo os países de “Terceiro Mundo” pareciam padecer de dramas marcados pela luta de pessoas imbuídas de nobres intenções (são citados Lumumba, Nehru, Nyerere e Sékou Touré), sempre incompreendidas e alvos de críticas e conspirações.
Esses países, com passado marcado pela exploração colonialista, padeciam de muitas outras dificuldades... Seus povos foram vilipendiados pelos imperialistas e sofriam com o analfabetismo, o “fanatismo religioso, a cegueira tribal, a fome crônica, o desemprego”...
(...)
Para Kapuscinski, o que estava acontecendo na Argélia parecia sintomático do que ocorria nas demais nações de terceiro mundo...
As lideranças se percebiam minúsculas perante todas as dificuldades que se lhe apresentavam... Não poucos trilhavam a “estratégia da ditadura” para combater os males... Mas toda ditadura sempre provoca oposições... E não raramente elas recorrem a golpes de estado...
Então se tratava de um ciclo... O atraso imposto àquelas nações havia produzido condições que as levavam a regimes ditatoriais que se repetiam com certa regularidade.
(...)
Ben Bella havia governado por três anos... Seus opositores garantiam que ele pouco fizera...
Kapuscinski não compartilha dessa avaliação... Afirma que apesar de ser um tipo complexo e instável, que nem sempre se mostrava coerente, Ben Bella era um dirigente excepcional... A análise de algumas ações de sua administração interrompida dá conta que ela foi positiva:
* Sua posse conciliou grupos com interesses opostos... Isso evitou a continuidade de confrontos numa nação já tão sofrida com a guerra;
* O país passou por uma reorganização complexa, dado que havia saído arrasado da guerra de independência... Assim, a vida das pessoas retomou certa normalidade;
* A economia da Argélia estava se refazendo a partir da nacionalização de terras e indústrias, e essa alternativa produzia bons resultados;
* A Reforma Agrária estava em curso; sua experiência de Socialismo foi “ousada e original”, pois preservou a “superestrutura islâmica”;
* A Argélia assumiu uma condição de liderança... Tornou-se referência não apenas para os países africanos, mas também para as demais “nações de terceiro mundo”;
* Com Ben Bella, a luta contra o imperialismo tornou-se fortalecida.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

“A Guerra de Independência da Argélia” – considerações sobre o tema a partir de “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166 – fundação do GPRA; ultrarradicalismo militar e atuação da OAS; difíceis discussões em Évian, referendos e acordos de emancipação; Ben Bella, socialismo, política externa e acordos com a França

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia_12.html antes de ler esta postagem:

Este texto e os das postagens anteriores têm como finalidade contribuir para uma melhor compreensão das exposições de Kapuscinski a respeito do panorama argelino em 1965.
Convém ressaltar que a leitura do capítulo referente à Argélia (in “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166; organizado pelo Comitê Científico Internacional da UNESCO) é de fundamental importância para a obtenção de um embasamento mais crítico a respeito dos temas neles evidenciados.


(...)
A população não se empolgou com as promessas anunciadas pelo “plano de Constantine”... Os rebeldes da FNL entendiam que as reformas propostas por De Gaulle eram irrisórias frente às demandas argelinas...
As lutas prosseguiram com intensidade... Lideranças instaladas no Cairo fundaram o GPRA (Governo Provisório da República Argelina), que foi reconhecido por países socialistas e árabes.
O GPRA tinha sede em Túnis e era chefiado por Ferhat Abbas... Em 1961 ele tornou-se primeiro presidente do GPRA. Nessa ocasião o revolucionário Benyoucef Benkhedda passou a fazer parte do staff, tendo sido eleito segundo presidente (Mais a respeito desses dois líderes em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia.html).
Abbas e Benkhedda se esforçaram para obter negociação junto aos franceses... Ao mesmo tempo De Gaulle notou que nem o plano para arrefecer os ânimos dos rebeldes nem as ações militares produziam resultados satisfatórios... Convenceu-se de que a ideia de uma “Argélia francesa” não se sustentava mais. 
(...)
Não bastasse a dificuldade de reconhecer a legitimidade e autoridade da FNL e do GPRA como interlocutores, os franceses ainda tiveram de enfrentar pressões iniciadas por oficiais em atuação na Argélia... Eles não admitiam as negociações que podiam resultar em autonomia e poder aos rebeldes... Muitos colonos apoiavam os militares que ficaram conhecidos como “ultrarradicais”.
Determinado a resolver a “questão argelina”, De Gaulle ordenou a prisão dos insurgentes e pediu para que as tropas se mantivessem leais a ele... Em janeiro de 1961 seu governo realizou um referendo junto à população francesa no país e na própria colônia... Os números indicaram que 75% aprovavam um acordo que resultasse em independência para a Argélia.
Em abril do mesmo ano ocorreu uma tentativa de golpe (“o putsch dos generais”) que apesar de fracassado deu origem a uma série de outros atentados terroristas organizados pelo grupamento clandestino criado por eles, a OAS (Organização Armada Secreta).
(...)
Apesar da oposição dos golpistas, as negociações ocorreram em Évian...
Elas levavam em conta a permanência de considerável comunidade europeia na Argélia independente... Mas, na contramão de todos os esforços empreendidos pelos negociadores, as ações terroristas da OAS provocavam o êxodo em massa de milhares de colonos.
Houve muita discussão a respeito da demarcação do país que viria a surgir... Os franceses passaram a insistir que a Argélia fosse apartada de áreas do Saara onde haviam sido descobertos campos de petróleo e gás... Evidentemente a França tinha projetos para a exploração. Mas os delegados representantes do GPRA não abriram mão da integridade territorial do país.
O dia 18 de março de 1962 foi marcado pelos acordos que firmaram o fim da guerra... No primeiro dia de julho os argelinos participaram de referendo em que se declararam plenamente favoráveis à emancipação...
Ferhat Abbas (GPRA) chefiou um governo interino e a Assembleia Constituinte que referendou o nome de Ahmed Ben Bella para presidir o país...
(...)
Ben Bella concentrava o apoio de uma ampla maioria, inclusive dos comandantes do Exército de Libertação Nacional e da deliberação do congresso da FNL (que se realizara na Líbia).
O presidente concentrou muito poder ao assumir diversos cargos... Definiu uma política externa de engajamento na defesa das nações que viviam processos revolucionários... Promoveu o Socialismo ao iniciar a Reforma Agrária e uma série de nacionalizações...  Além disso, priorizou a FNL, estabelecendo o regime de partido único.
Em relação à França, seu governo deu prosseguimento a uma série de acordos econômicos e culturais... E não se pode dizer que tenha prejudicado os antigos colonos franceses e seus latifúndios...
É certo que boa parte da população aprovava sua administração, inclusive o orçamento que destinava à educação...
Mas além de todas as dificuldades elencadas em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_4.html e  http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/search?updated-max=2016-01-11T17:57:00-02:00&max-results=3, cabe ressaltar que Ben Bella teve de enfrentar sérios problemas de ordem política...
Ele desagradava a muitas personalidades reconhecidas por sua participação nas lutas de independência...
Tanto é que permaneceu na presidência apenas até 19 de junho de 1965, quando sofreu o golpe chefiado por Boumédiène...
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Leia: História Geral da África. MEC Brasil.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

“A Guerra de Independência da Argélia” – considerações sobre o tema a partir de “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166 – sequestro e prisão de Ben Bella; estratégia de sufocamento da resistência argelina; confinamento, campo de concentração; exigências militares e fim da IV República francesa; o “Plano Constantine”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia_11.html antes de ler esta postagem:

O texto anterior, este e o da próxima postagem têm como finalidade contribuir para uma melhor compreensão das exposições de Kapuscinski a respeito do panorama argelino em 1965.
Convém ressaltar que a leitura do capítulo referente à Argélia (in “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166; organizado pelo Comitê Científico Internacional da UNESCO) é de fundamental importância para a obtenção de um embasamento mais crítico a respeito dos temas neles evidenciados.


(...)

Não foi por acaso que também em 1956 a França se viu em confronto direto com o presidente do Egito... Além da Nacionalização do Canal de Suez, Gamal Abdel Nasser (como consequência de seu posicionamento desde a Conferência de Bandung) desagradava por apoiar a revolução que ocorria na Argélia.
Pouco tempo depois do Congresso da FNL, Ben Bella e outras lideranças revolucionárias foram sequestrados por agentes franceses quando viajavam para a Tunísia em avião marroquino... Seu destino seria Roma, onde discutiriam uma saída pacífica com Guy Mollet (então primeiro-ministro da França), mas a aeronave foi desviada para a França... Esse episódio resultou em prisão que o governo francês só revogou ao final dos conflitos.
Uma parte dos franceses estava de acordo com as ações de seu governo em relação à Argélia... Porém havia os que discordavam abertamente, e esse era o caso do filósofo Jean Paul Sartre.
(...)
A estratégia de “fechar o cerco” aos apoiadores da FNL levou os comandantes das tropas francesas a determinarem o “reagrupamento de cidades”... Na verdade isso consistia em isolá-las, vigiá-las e controlá-las permanentemente... De tal modo seus habitantes foram oprimidos que logo passaram a viver em condições sub-humanas... Mais tropas francesas, inclusive de paraquedistas, foram transferidas para a Argélia e os que criticavam os métodos utilizados pela França garantiam que eles podiam ser comparados aos dos nazistas nos campos de concentração.
Ao mesmo tempo, as fronteiras foram bloqueadas* com cercas elétricas que impediam a transposição de tropas argelinas que se encontravam na Tunísia...

                              não é possível detectar os motivos de as tropas
            argelinas permanecerem fora do país durante a maior
            parte do processo revolucionário e, por isso mesmo, serem
            chamadas de “emigrantes” pelos “combatentes”.

Enquanto o pessoal da ANL era capturado e violentamente torturado, entre os argelinos crescia o sentimento de repulsa aos franceses... Os episódios de 1957 que tiveram como palco a capital argelina, e ficaram conhecidos como “Batalha de Argel”, tornaram-se tema do filme La Battaglia di Algerie (1966; dirigido por Gillo Pontecorvo).
(...)
O ano seguinte foi marcado por reivindicações dos oficiais militares franceses em ação na Argélia... Eles insistiam que De Gaulle devia ser reconduzido ao poder (havia sido primeiro-ministro do país entre 1944 e 1946) como única saída para que a guerra resultasse em positiva para a França. Esse também era o entendimento da maioria dos colonos europeus em solo argelino...
Na França, os gabinetes ministeriais se sucediam em tempo recorde*... A Argélia tornou-se um sério problema porque os paraquedistas ameaçavam bombardear Paris caso não tivessem suas exigências atendidas...

            * Isso ocorreu durante os mandatos presidenciais da
            Chamada IV República: Vincent Auriol (1947-1954) e
            René Coty (1954-1959).

Com a renúncia de Pierre Pfimlin em maio, De Gaulle reassumiu o governo... Este fez uma série de exigências, que incluíam a aprovação de nova Constituição que legitimasse uma presidência fortalecida... A Quinta República Francesa teve início logo após a entrada em vigor da nova Lei (outubro de 1958)... Ainda em 1958 ele havia anunciado o “plano de Constantine” com a promessa de industrializar a Argélia e de impulsionar sua produção agrícola reativando campos improdutivos. Com isso pretendia esfriar as tensões na Argélia e enfraquecer o movimento emancipacionista.
Porém estava claro que o plano não trazia mudanças significativas... Principalmente porque ele mantinha quase três milhões de terras (as melhores) nas mãos dos colonos... 
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Leia: História Geral da África. MEC Brasil.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

“A Guerra de Independência da Argélia” – considerações sobre o tema a partir de “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166 – a organização da CRUA; FNL, grupamento revolucionário e político; repressão francesa; congresso da FNL no vale do Soumman e sua pauta socialista; sobre a Conferência de Bandung

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia.html antes de ler esta postagem:

O texto anterior, este e os que seguem nas próximas postagens têm como finalidade contribuir para uma melhor compreensão das exposições de Kapuscinski a respeito do panorama argelino em 1965.
Convém ressaltar que a leitura do capítulo referente à Argélia (in “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166; organizado pelo Comitê Científico Internacional da UNESCO) é de fundamental importância para a obtenção de um embasamento mais crítico a respeito dos temas neles evidenciados.

(...)

Por diversos motivos (entre eles, o vacilo de certas lideranças e o enfraquecimento de alguns grupamentos) os revolucionários procuraram aglutinar os esforços de suas células... A criação do Comitê Revolucionário de Unidade e Ação (CRUA)* em 1953/54, por exemplo, foi consequência de dissidências no desgastado MTLD.

             * A maior parte dos líderes revolucionários da CRUA era proveniente da OS (Organização Especial), criada em 1947 no interior do MTLD. Entre eles estava Ben Bella, um dos fundadores da OS.

Logo que a Guerra de Independência teve início, a Argélia foi dividida em áreas onde as forças revolucionárias deviam atuar... Ao mesmo tempo, membros do alto comando da CRUA se dirigiram ao Egito para obter apoio político e bélico para a causa.
Em meados de 1955 praticamente toda a Argélia havia se tornado palco de luta armada... Em maio desse ano foi fundada a FNL como alternativa de agregar todos os que já defendiam a independência do país pelas vias políticas...
A adesão de camponeses foi maciça e aos poucos também os moradores das cidades ingressaram nas tropas da Armada de Libertação Nacional (ALN) chefiada por Boumédiène... Contribuiu para isso o modo indiscriminado como o exército francês passou a reprimir os argelinos. 
(...)
Como vemos, a estratégia da França se caracterizou pelo aumento progressivo do efetivo militar na colônia sublevada... Em contrapartida os argelinos reagiram ingressando na ALN cada vez em maior número. Via-se que, no meio da população comum, os que não se engajavam diretamente procuravam apoiar os guerrilheiros de outras formas.
Na segunda metade de 1956 foi realizado o Congresso da FNL no vale do Soummam (na Cabília)... Apesar de clandestino, o encontro produziu debates deliberativos sobre o futuro do país... Em síntese as propostas discutidas acenavam para soluções de caráter socialista... Almejava-se a independência, mas ela devia concretizar ampla reforma agrária e outras prerrogativas revolucionárias... Esperava-se que, enfim, a nação árabe-muçulmana se tornasse reconhecida internacionalmente.
Por aquela época havia forte repercussão da Conferência de Bandung*.

                      * Realizada nessa cidade da Indonésia em abril de 1955, reuniu delegados de países da Ásia e da África para debater a respeito de ações conjuntas e de oposição aos avanços de Estados Unidos e União Soviética. Entre os dez pontos dos princípios formulados pela Conferência estavam o do “respeito à soberania e integridade territorial das nações” e da “solução de todos os conflitos internacionais por meios pacíficos”.                                                                                                        
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Leia: História Geral da África. MEC Brasil.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra de Independência da Argélia” – considerações sobre o tema a partir de “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166 – Ferhat Abbas e Benyoucef Benkhedda; assimilação ou resistência aos colonizadores, FME e PPA; a tão sonhada emancipação não ocorreu após o final da Segunda Guerra; agitações e Estatuto para a Argélia aprovado (imposto) pela Assembleia Nacional Francesa; o MTLD e as dificuldades de se chegar ao poder; Ben Bella e a “ação direta” como alternativa radical

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_5.html antes de ler esta postagem:

Este texto e os que seguem nas próximas postagens têm como finalidade contribuir para uma melhor compreensão das exposições de Kapuscinski a respeito do panorama argelino em 1965.
Convém ressaltar que a leitura do capítulo referente à Argélia (in “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166; organizado pelo Comitê Científico Internacional da UNESCO) é de fundamental importância para a obtenção de um embasamento mais crítico a respeito dos temas neles evidenciados.


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Não são poucos os que consideram que a independência da Argélia é processo que deve ser entendido a partir da atuação da FNL (Frente de Libertação Nacional)... A leitura de A Guerra do Futebol pode nos levar a pensar da mesma forma.
Essa organização fundada em meados da década de 1950 foi o resultado de uma longa luta marcada pela perseguição de associações políticas e de revolucionários... É bom que se saiba que já fazia muito tempo que algumas personalidades, especificamente da comunidade árabe, não mediam esforços para alcançar um tratamento menos opressor por parte da França...
(...)
Esse era o caso de Ferhat Abbas e de Benyoucef Benkhedda, que pertenciam a um grupo social que teve acesso à formação superior...
Abbas era dos que se colocavam favoráveis a uma maior integração dos argelinos no contexto político limitado pela metrópole, dessa forma, eles teriam os mesmos direitos dos colonos franceses. Ele não pestanejou ao alistar-se voluntariamente no exército francês durante a Segunda Guerra Mundial... Depreende-se que Abbas e seu grupo político (FME – Federação dos Muçulmanos Eleitos), no início, não defendiam a emancipação da Argélia.
Diferentemente de Abbas, Benkhedda teve um passado marcado por rebeldia em relação às ideias de assimilação... Em 1942 ele se inscreveu no PPA (fundado por Messali Hadj em 1937, este Partido do Povo Argelino foi colocado na ilegalidade em 1939, junto com o PCA - Partido Comunista Argelino)...
Em plena Segunda Guerra Mundial, Benkhedda posicionou-se contrariamente em relação ao recrutamento de argelinos imposto pela França... Por causa disso acabou sendo preso e torturado.
Ferhat Abbas passou a liderar a Associação dos Amigos do Manifesto e da Liberdade... Ele mesmo havia ajudado a redigir o “Manifesto do Povo Argelino”, que problematizava a questão argelina apresentando teses sobre a necessária autonomia e (também) associação do país em relação à França... Apesar das diferenças ressaltadas anteriormente, o PPA associou-se aos defensores do manifesto...
(...)
Não foram poucas as lideranças argelinas que acreditaram que França lhes concederia a tão almejada autonomia... O pós-guerra foi mesmo marcado por esse debate em todas as antigas colônias... Especificamente na Argélia a expectativa era alimentada por reformas sociais promovidas pelo próprio De Gaulle, então primeiro-ministro francês. Mas elas resultaram em frustrantes porque não atendiam às demandas da maioria da população...
Ocorreram muitos protestos que foram sufocados com extrema violência... Isso provocou uma reação exaltada dos argelinos... Colonos franceses foram mortos e o governo reagiu com mais violência ainda. Para tentar conter o movimento, a Assembleia Nacional (Paris) aprovou uma série de medidas que anunciavam certa autonomia política à Argélia... Passava-se a impressão de que os muçulmanos seriam tratados com respeito e em pé de igualdade em relação aos colonos franceses...
Fazia parte do “pacote de concessões” o direito de todo argelino aprender a língua árabe... Além disso, os que quisessem se mudar para a França em busca de trabalho poderiam fazê-lo sem maiores complicações... Inclusive, uma vez instalados na metrópole, poderiam praticar sua religião com total liberdade de culto.
(...)
As eleições que ocorreram em 1948 deviam ser marcadas pelo “espírito das reformas políticas” tão propagadas anteriormente... Mas via-se claramente que na composição do Parlamento Argelino (regulamentada por Estatuto específico elaborado pela Assembleia Nacional francesa em 1947), colonos franceses e argelinos aculturados teriam representatividade bem superior à de árabes e berberes... Além disso, foram tomadas medidas para impedir que os candidatos vistos como “nacionalistas exacerbados” fossem eleitos... Sabe-se que a maioria (dos que pertenciam ao MTLD – Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas) acabou detida por forças especiais francesas... E como não se bastasse esse truculento ataque, as regiões onde os nacionalistas recebiam apoio foram prejudicadas de muitas outras formas.
Após esses episódios, em vez de protestos de rua, os franceses tiveram de lidar com “ações diretas” marcadas por ataques e ocupações de prédios públicos... Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1950, quando Ahmed Ben Bella liderou uma ação nos Correios em Oran... Como muitos outros rebeldes, ele também era reconhecido pelos franceses por ter combatido ao lado de suas tropas durante a Segunda Guerra.
Para a população revoltada, Ben Bella tornou-se um símbolo da resistência... No ano seguinte ocorreram novas eleições e os mesmos procedimentos autoritários contra os nacionalistas foram adotados. Ficava evidente que a emancipação argelina não ocorreria através da via política ou diplomática...
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Leia: História Geral da África. MEC Brasil.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – panorama social argelino após a independência; o exército e o desgaste da guerrilha; colaboracionistas, emigrantes e combatentes; difícil início de governo em busca de sustentação

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_4.html antes de ler esta postagem:

A guerra na Argélia revelou-se um confronto desigual do ponto de vista bélico... Apesar de sua superioridade, a França teve de enfrentar táticas guerrilheiras que não dispensavam atos terroristas... Muitos campos foram arrasados e a pobre gente das áreas mais afastadas foi sacrificada... Vimos que nem todos argelinos engrossaram ou apoiaram os revolucionários, pois muitos foram recrutados pelas tropas francesas e se engajaram no combate aos compatriotas... Vimos que isso ocorreu não apenas por afinidade/rivalidade ideológica.
Não foi por acaso que muitos civis decidiram se refugiar no Marrocos ou na Tunísia... A complexa sociedade argelina não saiu unificada do processo de independência... Não demorou e os sinais de insatisfação, inúmeras demandas sociais, se evidenciaram... O complicado quadro tornou-se ainda mais dramático porque a Argélia teve de resolver o conflito armado contra o Marrocos (a chamada “Guerra das Areias”) e a revolta na Cabília.
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Kapuscinski explica que, em sua maioria, o pessoal que preencheu os quadros administrativos na Argélia independente pertencia a contingentes colaboracionistas, isto é, que colaboraram com a França durante a guerra de independência... As informações dão conta que muitos se envolviam secretamente em sabotagens... Para o governo revolucionário não havia saída já que esse pessoal era o que tinha qualificações para exercer funções de gabinete...
O autor dá a entender que a convocação dos outrora colaboracionistas para o confronto da “Guerra das Areias” pode ter influenciado a derrota argelina.
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Ben Bella e outros companheiros são chamados de “emigrantes” porque durante a maior parte do processo de lutas contra a França permaneceram presos na antiga metrópole... Também Boumédiène e seus companheiros são chamados de “emigrantes”, mas no seu caso é porque integravam tropas que, durante a revolução, serviam no Marrocos ou na Tunísia.
Kapuscinski acreditava que a oposição entre os guerrilheiros (os “combatentes”) que atuaram no país e os “emigrantes” era litígio que duraria muitos anos ainda... A independência se dera num momento em que a guerrilha estava muito desgastada e, devido às inúmeras baixas, sua articulação se dava cada vez mais no interior do país... Bem diferente era a situação das tropas que estavam nos países vizinhos, seus soldados estavam bem treinados e alimentados...
Assim que o comando guerrilheiro anunciou que tomaria Argel (verão de 1962), o disciplinado e organizado exército ultrapassou as fronteiras e ocupou as ruas da capital com suas fileiras de tanques... Desde então, as decisões passaram a ser tomadas pelos oficiais militares... Em 1965 Kapuscinski dizia que “por muitos anos, tudo o que se refere à Argélia”, continuaria a ser decidido pelo exército... A história do país mostra que ele tinha razão.
O autor ressalta que assim que as tropas assumiram a posição de comando, a sociedade até então envolvida no processo de libertação, a elite dirigente e o pessoal ligado à administração tornou-se dividida “em três facções”: “emigrantes”; “combatentes”; “colaboracionistas”...
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Ben Bella assumiu o poder numa Argélia destroçada pela guerra... Sobretudo em suas áreas rurais... A Guerra do Futebol aponta que um milhão de franceses deixaram o país (talvez esse número seja exagerado)... Aqueles que haviam se refugiado retornaram e encontraram campos e fábricas arrasados... Não havia dúvidas, o quadro era de profunda exaustão... A administração teria problemas e faltavam especialistas para as mais diversas funções... O cidadão comum desejava a paz e também ter com o que se alimentar.
Para Kapuscinski, Ben Bella assumiu a tarefa de governar um dos países africanos com as maiores dificuldades... Cada estrato social possuía reivindicações específicas e desejava um modelo de país em muitos casos incompatíveis com os anseios dos demais!
Quando Ben Bella deixou o cárcere viu-se tão isolado politicamente como durante o longo período em que esteve privado de liberdade... Ele não contava com nenhum tipo de proteção e sabia bem possuía vários adversários... Além disso, o grupamento do qual participava apresentava-se dividido.
Sua saída foi recorrer a Boumédiène e às suas disciplinadas tropas.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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