Ainda em defesa de Ben Bella, Kapuscinski afirma que ele não era ortodoxo e estava aberto a novos conceitos... Não era defensor ferrenho desta ou daquela posição doutrinária... Sua formação não se baseou em nenhuma escola com fundamentação ideológica... Engajou-se na luta contra o colonialismo porque desejou que seu país fosse livre.
Defendendo essa causa acabou preso... Pode-se dizer que quando chegou ao poder, amparado pela aliança com Boumédiène, seu entendimento sobre política se alinhava mais à direita... Conforme vivenciou o exercício político na presidência da Argélia aproximou-se instintivamente de um modelo que não agradava os mais conservadores... Diziam que ele se tratava de um “socialista sentimental” e “esquerdista de coração” porque passou a admirar o Socialismo... Ao que tudo indica, é por isso que ele não desprezava a companhia dos comunistas argelinos.
Ben Bella não pestanejou ao introduzir alterações em situações e costumes conservadores de seu país... Ao investir boa parte do orçamento em educação, possibilitava formação aos mais jovens; fez de tudo para garantir que os camponeses (felás) ficassem livres das explorações dos senhores ricos; “libertou escravos e lutou pelos direitos das mulheres” (pág. 126 de A Guerra do Futebol)...
Há o registro sobre o lamento de mulheres que ao saberem do golpe de 19de junho trajaram luto porque acreditavam que a manobra contra Ben Bella poderia levar os homens a trancá-las em casa...
(...)
Ao que tudo indica, Ben Bella passou a maior parte de
seu governo lutando contra os oposicionistas... Pouco tempo sobrava para o
trabalho em projetos sociais que acreditava.
Pelo visto a solução encontrada para derrotar os que lhe faziam oposição
era persegui-los implacavelmente... Invariavelmente, os que não terminavam na
prisão se mudavam para outro país.
Kapuscinski considera que faltava maturidade política para Ben Bella e
seus adversários... As ameaças de golpe, tanto as reais quanto as que não
passavam de boataria, foram uma constante... Antigos companheiros, homens que
se tornaram importantes no governo e conhecidos por terem participado das lutas
pela emancipação do país se tornavam notícia por terem seus nomes ligados a
movimentos rebeldes. Muitos que foram detidos e condenados (inclusive à morte)
só conseguiram a liberdade porque fugiram da prisão e se mudaram para o
exterior.
Entre os que foram afastados de seus cargos ou detidos por ordem de Ben
Bella destacam-se: Mohamed Khider (afastado do FLN, onde tinha a função de
secretário geral, por fazer oposição direta ao governo); Mohamed Boudiaf (havia
sido ministro e vice-presidente do GPRA, acusado de tentar um golpe de estado,
foi preso); Aït Ahmed (líder cabílio, recusou-se a participar do governo; foi
preso por fazer oposição ferrenha e incentivar sua comunidade ao conflito
aberto); Ferhat Abbas (presidia a Assembleia Nacional e foi afastado por fazer
oposição ao FNL); Rabah Bitat (vice de Ben Bella, também foi afastado por fazer-lhe
oposição); el-Hazdi (coronel afastado sob acusação de fomentar a rebelião na
Cabília).
(...)
Como se pode depreender, muita gente influente entendia que o governo Ben
Bella era insatisfatório... Sem negociação, a intolerância ganhava espaço e
dava margem para conspirações diversas... A agitação política não diminuía e é
certo que muitos golpes anunciados eram mais do que boatos... Assim, as prisões
ficaram abarrotadas também de “oposicionistas de segunda linha”.
O próprio Ben Bella
colocava-se acima do FNL... Para Kapuscinski, faltava disciplina partidária.
Segundo ele, essa situação impedia que os problemas da nação fossem pensados. O
panorama levou-o a vaticinar que o amadurecimento político da nação levaria
muitos anos.
Não havia um sistema ideológico
definido... As lideranças rejeitavam o Capitalismo (pelo menos ninguém o admitia
publicamente)... O Socialismo era conhecido superficialmente... Não se pode
dizer que o regime favorecesse o Islamismo Ortodoxo.
Nem governo nem oposicionistas tinham uma
concepção política clara... Rejeitavam certas premissas, mas isso era pouco. Havia
muitos pontos de vista divergentes e eles eram colocados em preeminência... Como
poderiam negociar sem discutir objetivos comuns? Talvez por isso os embates
passassem para “o campo dos conflitos pessoais”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto