Tertuliano chegou à porta de acesso ao apartamento de Antônio Claro... Seu coração estava disparado... Sua primeira impressão era a de que não havia ninguém. Estático e de frente para a porta ouviu que o elevador se movimentara para os andares de baixo. Tirou a chave do bolso e meteu-a no miolo da maçaneta.
Entrou... Viu que tudo estava às escuras e que não havia ninguém... Tateou a parede até alcançar um interruptor... Entendeu que devia conhecer o ambiente onde passaria a noite... O local seria todo seu durante boas horas...
Teria companhia? Não tinha resposta... O fato é que Helena podia estar visitando parentes... Talvez nem retornasse para casa... Tertuliano até poderia pensar que, nesse caso, o Senso Comum voltaria atrás em seu juízo sobre o “plano diabólico” por ele tramado.
(...)
O professor percorreu todos os cômodos... Acendeu as
luzes e conheceu os vários cantos... Abriu gavetas, observou as roupas e
diversos panos, e assim construiu uma noção a respeito do casal. Descobriu o
local onde o revólver ficava escondido...
Não tocou em nada do que viu... E de tanto que percorreu e vasculhou,
conseguiu mentalizar toda a planta e localização dos móveis e aparelhos
eletrodomésticos. Sentou-se no sofá que parecia ser o da preferência do ator...
Então esperou.
Ele queria que Helena chegasse... Talvez quisesse
apenas isso... Que ela testemunhasse a presença de Antônio Claro (o outro) em
casa.
(...)
A mulher chegou depois das 23:00...
Obviamente estranhou a presença do marido... Perguntou sobre o que havia
ocorrido, já que esperava seu regresso para a metade do dia seguinte.
A esposa beijou o marido... E este, que na verdade era Tertuliano (“outro
Antônio Claro”), respondeu que o trabalho havia sido adiado... Ela não notou,
mas as pernas do tipo estavam trêmulas, e foi por isso que ele voltou a se
sentar.
Na sequência houve breve diálogo... Ela explicou que tinha ido à casa
dos pais... Ele perguntou se eles estavam bem... Ela perguntou se ele havia
jantado... Ele respondeu que sim e que não precisava se preocupar.
Helena notou o livro
usado... Tertuliano explicou que o comprara num sebo e que o estudaria para um
próximo filme (histórico) no qual teria participação. A informação não resultou
em novas perguntas... Ela se retirou para o quarto... Disse que se deitaria,
pois estava cansada.
Novamente tudo se aquietou.
(...)
Só depois de um bom
tempo é que Tertuliano decidiu ir para a cama.
A esposa de Antônio Claro dormia... Ele notou que o pijama que devia
usar estava dobrado sobre uma almofada. Trocou-se e permaneceu ainda mais duas
horas sem pregar os olhos.
Helena despertou e quis
saber por que ele ainda estava acordado... Ele respondeu que não sabia o motivo
de não conseguir dormir. Então ela se virou e o abraçou.
(...)
O dia amanheceu e Tertuliano foi o primeiro a
despertar. O tipo estava nu em pelo... A roupa de cama se espalhara pelo
chão... Ao seu lado estava Helena com um dos seios descoberto.
(...)
Sentiu que ainda tinha
sangue para o coito... Lembrou-se de Maria da Paz.
Pensou que chegara ao “fim do caminho”... Era
angustiante porque aquilo podia significar o “último estágio” da decadência a
que tinham sido conduzidos depois que resolvera perseguir o seu “igual”.
Devaneios...
Tertuliano se via numa
estrada que chegava ao fim... À sua frente um grande muro... Atrás de si já não
havia caminho. Um aviso no muro advertia que não devia ultrapassá-lo... A
passagem não era recomendada porque depois do muro havia o abismo.
Agitou-se no instante mesmo em que via o muro se
rompendo... Começou a perder a respiração... Braços surgiam da parede e o
agarravam. Foi aí que despertou e só então entendeu que Helena o segurava na
tentativa de acalmá-lo.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_26.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto