sábado, 19 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – eliminando as gravações insignificantes e desagradáveis; um registro misterioso; a voz de Maria na quinta gravação; confessando sobre os planos de vida a dois

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_18.html antes de ler esta postagem:

O que podemos fazer se o enredo é esse mesmo?
O professor de História parecia satisfeito com as mudanças que se operavam em sua vida... Aos poucos admitiu uma união estável com Maria da Paz... A absurda história dos “idênticos” seria esquecida...
A alegria de retornar a casa o contagiou de vez... Seu ser tornou-se todo harmonia, e ele sentiu que nada poderia estragá-la.
(...)
A gravação de Antônio Claro arquivada na secretária eletrônica iniciava com um “boas tardes”... Na sequência o tipo manifestou que imaginava que Tertuliano não esperava um telefonema seu.
Com uma voz bem articulada, pedia o favor de se encontrarem novamente... Insistia que tinham muito a se falarem.
(...)
O pobre Tertuliano estava disposto a cumprir a promessa que fizera... Acontece que sua testa encheu-se de suor conforme ouviu a voz do Antônio Claro... Um pouco mais de atenção e também veremos que mãos e pernas tremiam... O rapaz ficou transtornado de um momento para outro.
Antes que outras gravações pudessem seguir, Tertuliano pausou o aparelho... Seguiu para o quarto e de lá para o chuveiro... Lavou-se como quem espera que a espuma leve para o ralo as sujidades do corpo e o cansaço da mente...
Depois de asseado e de roupas trocadas pensou que na secretária eletrônica devia haver também alguma ligação de Maria... Retornou ao aparelho e eliminou as falas do diretor e as do professor de Matemática... Ouviu novamente as palavras de Antônio Claro antes de excluí-las.
Havia uma quarta gravação... Todavia a fita magnética rodou por alguns segundos e a pessoa não disse uma palavra sequer... Não deu para ouvir nem mesmo a respiração... Quem poderia ser? Tertuliano chateou-se novamente... Não queria acreditar, mas tudo levava a crer que o Antônio Claro voltara a ligar... O que pretendia?
Mas também podia não ser o tipo... Até porque em sua gravação fizera um “discurso completo”... Não Fazia sentido!
Havia também a quinta gravação... Dessa vez a voz de Maria da Paz saiu do aparelho. Ela previa que o namorado estivesse para regressar do interior... Disse que esperava que ele tivesse aproveitado bem os dias longe da cidade e junto da mãe também para descansar... Manifestou a sua compreensão por não ter recebido nenhum telefonema... E também o desejo de falar-lhe tão logo ele estivesse de volta... Mas acrescentou que não gostaria que ele se sentisse na obrigação de telefonar apenas por causa daquela gravação.
A moça finalizou dizendo que esperava dias em que fosse procurada sem que ele se sentisse pressionado... Esperava que telefonasse “apenas porque sim”, como se vai a um copo com água num momento de sede... Depois acrescentou que a mãe estava bem melhor e que até voltara a frequentar a missa.
(...)
Tertuliano apertou a tecla que fazia a fita retornar e ouviu mais uma vez a da Paz... Pensou nas palavras de sua mãe sobre a moça ainda estar disposta a permanecer ao seu lado depois que ele “despertasse”... Aquilo só podia ser uma “mensagem de Cassandra”... Ele entendeu que não podia desperdiçar a chance.
Observou o relógio e calculou que a da Paz já tivesse deixado o trabalho... Então aguardou mais um pouco para telefonar-lhe.
(...)
Maria se mostrou surpresa... O seu “até que enfim” deu a entender que esperava mesmo que ele telefonasse... Tertuliano justificou-se, explicou que acabara de chegar e que apenas tinha tomado um banho e aguardado o momento adequado para fazer a ligação... Confirmou que ouviu a mensagem que ela deixou na secretária eletrônica...
A moça pediu desculpas... Disse que nem se lembrava das palavras que dissera, mas sabia que havia sido inconveniente ao insistir sobre certas posturas que esperava da parte dele... Era melhor manter-se calada, pois sentia que proceder daquela maneira era humilhante.
Tertuliano respondeu que não queria que ela falasse daquela maneira, pois “humilhação” era uma palavra injusta para ambos. Todavia ela insistiu que a situação não poderia continuar. Era preciso manter um mínimo de respeito por si mesma.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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