segunda-feira, 31 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – bebericar para “digerir” a espantosa semelhança; Antônio Claro levou a arma ao encontro

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_30.html antes de ler esta postagem:

Ao constatar que Antônio Claro ficara surpreso com a semelhança impressionante entre os dois, Tertuliano anunciou que se retiraria... Nada tinha a fazer ali, pois o outro já tinha a prova que necessitava.
Antônio Claro posicionou-se contra... Estava mesmo espantado com a “duplicação”... Não era justo se apartarem no mesmo instante em que acabavam de se conhecer pessoalmente. Disse que podiam conversar... Havia bebida na casa, só não podia oferecer gelo.
O professor explicou que não queria dar trabalho... O ator disse que se sua esposa ali estivesse seriam mais bem servidos... Acrescentou que ao vê-los lado-a-lado ficaria mais confusa do que ele. Tertuliano concordou afirmando que as últimas semanas haviam sido de muita perturbação para ele.
Antônio Claro insistiu que serviria uma bebida ao seu idêntico... Tertuliano não pretendia ingerir nada porque não era dado a tragos mesmo que ocasionais. Aceitou “uma gota de conhaque”... O outro se serviu de “três dedos de uísque sem água”.
Sentaram-se em lados opostos de uma pequena mesa... Antônio Claro não conseguia deixar de manifestar sua admiração... Parecia assombrado com a revelação. Tertuliano o entendia bem porque já havia passado pela mesma situação. Sua dúvida era em relação ao que poderia ocorrer depois de terem se conhecido e constatado a impressionante igualdade.
Antônio Claro quis saber como que Tertuliano descobrira o fenômeno... Mais uma vez ele explicou a respeito dos filmes que assistiu... O outro perguntou como foi que chegara até ele se o nome Daniel Santa-Clara não consta da lista telefônica... Tertuliano esclareceu que antes disso teve de chegar ao nome através das informações contidas nos letreiros das várias fitas... Explicou como eliminou nomes até chegar ao Santa-Clara...
O ator perguntou a razão de ter se dedicado a tarefa tão difícil... Tertuliano respondeu que qualquer pessoa em seu lugar teria feito o mesmo... Emendou que ligou para as pessoas que tinham sobrenome Santa-Clara. O próprio Antônio concluiu que nenhuma delas conhecia Daniel... E era isso mesmo... Porém Tertuliano acrescentou o caso do tipo que informou que, antes dele, alguém mais havia ligado querendo saber a respeito de Daniel Santa-Clara... Também Antônio Claro estranhou o fato, ainda mais porque o tipo informara que quem ligou disfarçava a voz.
Ele quis saber como Tertuliano havia chegado finalmente até ele... O professor explicou sobre a carta que escrevera à produtora... Revelou que a própria empresa fornecera os dados, nome verdadeiro e endereço.
Neste ponto da conversa, Antônio Claro afirmou que achava que as informações haviam sido obtidas a partir da conversa de Tertuliano com Helena... Sinceramente estranhava o procedimento da produtora... O professor explicou que talvez aquilo se devesse ao fato de a carta conter um trecho em que valorizava os atores secundários...
Para Antônio Claro, o procedimento da produtora havia sido estranho... Ele jamais esperaria algo do tipo... Mas nada podia ser feito a respeito, afinal estavam um diante do outro com várias outras dúvidas que podiam ser esclarecidas ali mesmo. Ele ingeriu o uísque que tinha no copo... Tertuliano mal encostou o conhaque nos lábios.
O professor abriu as mãos e imprimiu as palmas contra o tampo da mesa... Sugeriu que o outro fizesse o mesmo para compará-las. Antônio pressionou as mãos, talvez para mantê-las firmes, sem tremores... Em tudo eram iguais... Veias, rugas, pelos, unhas... Era como se tivessem saído do mesmo molde!
É claro que o ator possuía a aliança no anelar esquerdo... Tertuliano não trazia nenhum acessório.
Tertuliano quis conferir os sinais do antebraço direito... Antônio fechou a porta e acendeu as luzes... Os dois arregaçaram as mangas.
Enquanto Antônio ajeitava seu casaco na cadeira, a arma que estava no coldre provocou um ruído... No mesmo instante Tertuliano entendeu do que se tratava e disse que não acreditava que o outro trouxesse o artefato.
O ator quis tranquilizá-lo e garantiu que estava descarregada... Para não gerar maiores suspeitas, retirou a arma e abriu o carregador... De fato estava vazio... Também na câmara não havia nenhum projétil.
Ele quis saber se seu gesto o convencera... A resposta foi afirmativa...
Haveria motivos para crer que o outro trouxesse outra arma escondida?
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago.html
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 30 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – reflexões sobre o desfecho da história e frustrações decorrentes; Antônio Claro se antecipa para confirmar o encontro; frente-a-frente

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-sem.html antes de ler esta postagem:

Após a conversa com a mãe, Tertuliano refletiu sobre suas palavras... Não conseguia crer que acabara se comprometendo a contar-lhe sobre o estranho caso da duplicação no qual estava envolvido... Nem mesmo sabia se algum dia teria disposição de revelar-lhe história!
Não conseguia entender por que terminou deixando dona Carolina na expectativa da visita... Era certo que assim que a semana começasse ela anotaria no calendário o dia previsto de sua chegada. Ele seria cobrado por eventuais atrasos...
(...)
Depois pensou que tinha feito o melhor... Por que haveria de permanecer com todo aquele peso sobre as costas? Isso também não significa que teria condições de partir naquele mesmo momento para a casa da mãe e “colocar todas as cartas na mesa”...
Não teria condições de dizer que há um tipo tão parecido com ele que nem mesmo ela teria condições de saber dos dois qual era o seu verdadeiro filho!
Pensou em como seria a conversa com dona Carolina depois de se encontrar com o Antônio Claro... Admitiria o encontro com o “seu igual” e isso o deixara um tanto confuso, a ponto de não reconhecer-se mais a si mesmo.
(...)
Essa conclusão fez com que seu estado de ânimo tivesse uma recaída... Sentiu medo e se lembrou das palavras de sua mãe a respeito de não sabermos “tudo do que nos espera para além de cada ação nossa”.
(...)
O domingo logo chegaria... Haveria um encontro? O futuro do outro estava intimamente ligado ao que viesse ocorrer a ele.
O professor estava a pensar sobre essas coisas quando o telefone tocou... Era Antônio Claro.
O tipo quis saber se ele havia recebido o croqui e se havia alguma dúvida sobre como chegar ao local. Tertuliano respondeu que estava tudo muito bem explicado...
O ator quis se justificar por ter se antecipado, já que pelo que haviam combinado ele deveria telefonar apenas no sábado... Reforçou que o mais importante era a confirmação do recebimento das orientações e do encontro.
Tertuliano respondeu que estaria no local marcado às seis... Antônio Claro adiantou que ele não precisava se preocupar ao passar pelo povoado, já que ele dirigiria por um atalho... Isso evitaria estranhamentos dos moradores locais.
Em relação ao carro também não havia motivos para preocupações... Se o vissem, pensariam que o ator trocou o veículo... Antônio explicou que, além disso, já não iam à casa como antes, então o mais provável era ninguém notar absolutamente nada.
Nada tinham a acrescentar... Despediram-se com um “até depois de amanhã”, “até domingo”.

(...)

Tertuliano chegou a casa cinco minutos depois do horário combinado.
O carro do Santa-Clara (que era o nome artístico de Antônio Claro em seu início de carreira) era mais novo do que o do professor e já estava estacionado.
A cancela estava desimpedida... As portas também estavam abertas... As janelas estavam trancadas... O interior era uma penumbra só...
Tertuliano se aproximou da escada e ouviu a voz de Antônio Claro solicitando que ele entrasse...
O professor se aproximou do portal... O ator insistiu que ele entrasse.
Tertuliano estava em desvantagem, pois não podia ver o tipo escondido na parte escura da casa... Antônio pronunciou que, pelo que podia observar, aquele parecia não ser quem ele estava esperando.
Tertuliano retirou a barba postiça e entrou na sala. Antônio o comparou a certos personagens do teatro dramático... Disse isso, retirou-se da penumbra e também se colocou sob a claridade que entrava pela porta.
Antônio Claro parou diante de Tertuliano... Os dois se olharam silenciosamente... Tertuliano estava preparado para encarar o outro... Antônio ficou estupefato com o que viu...
Tertuliano apresentou-se dizendo que era ele quem havia lhe telefonado. Depois fez questão de manifestar que não pretendera em nenhum momento divertir-se com a inusitada situação... Insistira no encontro para que ele mesmo pudesse se certificar que eram mesmo iguais.
Antônio Claro se pronunciou quase que a gaguejar... Disse que, devido à insistência de Tertuliano, começou a imaginar que deviam possuir mesmo alguma semelhança... Mas quase não podia crer no que estava vendo com os próprios olhos... Sentia-se como se estivesse diante do “próprio retrato”.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – sem saber o que prende Tertuliano à cidade, dona Carolina aguarda ansiosamente a sua visita; especulações sobre a relação com Maria da Paz; cartas devem ser postas à mesa

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_29.html antes de ler esta postagem:

Tertuliano estava satisfeito com a expedição que fizera ao sítio onde se encontraria com Antônio Claro...
Estava de bem consigo mesmo, pois se sentia em vantagem em relação ao outro.
De volta ao lar, de banho tomado, usando roupas limpas e bebericando um refresco de limão... O que mais poderia desejar?
Resolveu telefonar à mãe.
(...)
Dona Carolina o atendeu sem se queixar de qualquer problema... Nada demais se passava com ela... Estava tudo bem “na forma do costume”...
Salientou que estranhava o longo período sem notícias do filho... Tertuliano pediu desculpas e acrescentou que tinha muitas coisas para resolver. A mãe quis saber em que pé estavam os seus afazeres... Ele respondeu que tudo se encaminhava e que em breve tudo estaria solucionado... Ela não precisava se preocupar.
Dona Carolina respondeu que sossegaria quando pudessem passar uns dias juntos... Tertuliano garantiu que logo teria condições de viajar. A mulher quis saber como estava a relação com Maria...
O professor argumentou que a situação com a da Paz não era de fácil explicação... Disse que gostava dela e que até precisava dela... Dona Carolina salientou que muitos homens se casavam por razões menores. Mas para Tertuliano sua relação com Maria só ocorrera por causa de sua solidão... Em certo momento deparara-se com uma mulher simpática, e foi apenas isso.
Esse fato não representava motivação suficiente para que se arriscasse novamente num casamento. Dona Carolina quis lembrá-lo de que ele amara a esposa, então essa capacidade ele devia ter... Tertuliano argumentou que havia se passado seis anos desde que romperam e nem lembrava mais dos sentimentos que nutria pela esposa, talvez os dois tenham se equivocado em relação um ao outro.
Dona Carolina entendeu que o filho não quisesse que se repetisse com Maria da Paz o mesmo que se sucedera com o seu primeiro casamento... Mas não deixou de comentar que toda aquela prevenção pouco considerava as expectativas da moça.
Tertuliano ouviu o que a mãe tinha a dizer... Ao final respondeu que “assim é”... Dona Carolina mostrou-se intrigada com as duas palavras... Tanto é que insistiu para que ele as repetisse... O rapaz não se conformou imediatamente com a implicância... Mas de tanto ouvir que o modo como havia se pronunciado despertara uma sensação estranha como um “piscar de lâmpada em meio à escuridão”, disse novamente o “assim é”.
Dona Carolina sentenciou não havia sido a mesma coisa... Tertuliano pediu para que ela parasse de fantasiar... Emendou que as fantasias nos distanciam da “paz de espírito”...
Ela pediu para o filho não se zangar... Mas é certo que aquilo só podia se relacionar a um pressentimento... E Tertuliano ficava desassossegado em relação aos pressentimentos da mãe. Afinal, qual filho reage de modo diferente?
Ela quis saber quando a visitaria... Ele respondeu que logo chegaria o dia.
Dona Carolina adiantou que precisavam conversar... Tertuliano confirmou que poderiam conversar sobre o que ela quisesse.
A mãe respondeu que só queria ter uma conversa específica... Tertuliano quis saber qual... Dona Carolina disse que ele sabia muito bem o que ela pretendia conversar. Queria saber o que se passava com ele, e em tom de ameaça concluiu que não adiantava aparecer com “histórias preparadas” ou truques... Esperava que o filho fosse franco ao colocar as “cartas sobre a mesa”.
Tertuliano respondeu que não esconderia nada e contaria tudo o que a mãe quisesse saber... Dona Carolina manifestou sua satisfação, então o rapaz comentou que também esperava saber o que ela diria quando ele lhe apresentasse “a primeira carta”.
A mãe argumentou que já tinha visto de tudo em sua vida... Nada a surpreenderia... Tertuliano sentenciou que ela podia permanecer com aquela ilusão até que começassem a falar.
Essas palavras despertaram mais curiosidade em dona Carolina... Tertuliano dera a entender que era sério o que se passava com ele.
Mas não havia como adiantar o assunto pelo telefone... Ela teria de esperar.
Despediram-se... Ela desejando que ele aparecesse logo... Ele sustentando que em poucos dias isso ocorreria.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 29 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – reconhecendo o ambiente do encontro; impressões e conclusões sobre o lugar ermo; de volta à cidade grande

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-um_28.html antes de ler esta postagem:

Com a barba postiça colada no rosto, Tertuliano seguiu pensando sobre o propósito de não faltar ao encontro de domingo...
Também para essa expedição não podia deixar o disfarce... Seria a casa propriedade do ator? Tratava-se de imóvel que ele alugava com certa frequência para desfrutar dos ares interioranos? Em qualquer um dos casos seria bem provável que, ao topar com algum vizinho, o tomassem pelo próprio Antônio Claro. Algo inconveniente, sem dúvida.
E se a casa de campo do homem fosse a última de uma estradinha ladeada de pequenas propriedades? Neste caso os locais desconfiariam do veículo conduzido por um desconhecido barbado...
(...)
Tertuliano chegou à parte final de sua viagem conduzindo o veículo com todo cuidado... A estradinha era tão estreita que só a custo dois carros podiam passar um pelo outro. À sua volta inúmeras árvores e a sensação de que nas proximidades passava um rio.
Mais adiante avistou uma casa... Só podia ser a indicada por Antônio Claro! A estradinha seguia adiante a se perder entre colinas. Talvez existissem outras casas mais à frente. Do ponto onde estava era certo que ninguém o avistava... Se existiam vizinhos, eles habitavam residências distantes e não tinham como dedicar atenção à propriedade do ator que passava a maior parte de seu tempo na cidade.
Apesar do ambiente desabitado, Tertuliano tomou o cuidado de notar se por perto havia algum pastor com o seu rebanho... Achou que sua presença provocaria uma reação à moda dos medievos que se armavam de foices e varapaus para perseguir estranhos.
Esforçou-se para representar o típico viajante que raramente tem oportunidade de contemplar paisagens bucólicas. Parou o carro e desceu...
Observou a casa, flores e folhagens que deviam decorá-la... Concluiu que em tempos não tão remotos o imóvel passou por reforma. Deu para notar também que seus donos a frequentavam cada vez menos.
O muro que a separava da estrada era baixo... Deu para ver que na parte de trás havia dois castanheiros nitidamente mais antigos do que a casa.
Quem teria uma propriedade daquelas? Apenas os amantes da natureza... Aqueles que se contentam com o que ela tem a oferecer em qualquer época do ano. Muito silêncio e ambientes ideais para a contemplação... Isso era tudo por aquelas paragens.
Caminhando pelo terreno localizado na parte de trás, conheceu um matagal que tomava conta da área destinada ao jardim... Uma macieira e um pessegueiro também estavam sendo sufocados por líquens e por trepadeiras diversas.
Antônio Claro e a esposa devem ter curtido por algum tempo a casa e a possibilidade de se distanciarem da correria da cidade grande por alguns dias durante o ano... A impressão de Tertuliano era a de que aquele passatempo tenha durado pouco.
É verdade que teve curiosidade de enveredar-se pelo matagal na parte dianteira da casa... Poderia encontrar um atalho que chegasse ao rio... Mas levou em consideração que quanto menos circulasse pela área menor seria a chance de ser observado por alguém.
Então, depois da inspeção que fizera no ambiente que havia sido um florido jardim, o professor resolveu retornar ao carro e dirigir de volta para a cidade, onde aguardaria o telefonema de Antônio Claro e confirmaria o recebimento do envelope com as orientações.
(...)
Saramago adianta que depois do encontro que teria naquelas paragens jamais retornaria àquela casa.
A viagem de retorno foi tranquila...
Depois de passar pelo povoado, pisou fundo no acelerador... A estrada estava tranquila e em menos de uma hora concluiu o trajeto.
Tomou banho, vestiu roupas limpas e serviu-se de uma limonada... Não deu a mínima para a redação do projeto tão aguardado pelo diretor.
Achou que o momento era propício para telefonar à mãe.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – um croqui e um bilhete; comparando as grafias e aprendendo a escrever como o outro; por que não conhecer previamente o palco do esperado encontro?

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Na sexta-feira chegou o envelope do Antônio Claro... Havia um croqui desenhado por ele mesmo, um pequeno mapa com as indicações para se chegar ao local do encontro. Um bilhete definia o horário: seis da tarde.
Tertuliano analisou a letra do outro... Não era exatamente igual à sua... Principalmente nas maiúsculas podiam ser notadas algumas diferenças.
O mapa era simples. Ao analisá-lo, entendeu que pegaria uma rodovia específica na saída da cidade... A certa altura passaria por uma povoação e depois de mais oito quilômetros por outra... Cada uma estaria num lado diferente da estrada. O desenho dava a entender que depois da segunda povoação devia sair da estrada principal e rumar em direção a outro povoado bem menor que os anteriores. Para se chegar ao local assinalado como “casa” devia dirigir mais adiante por uma estradinha acanhada. Tudo muito simples, não havia como errar...
O professor pegou um mapa dos que são impressos pelas editoras de guias para os motoristas e conferiu as informações de Antônio Claro... Tudo batia... Depois ficou a pensar que não precisaria levar o grande espelho. Imaginara que se encontrassem ao ar livre, talvez nas proximidades de uma grande árvore... Na casa certamente haveria espelhos.
Também era certo que Antônio Claro apareceria sozinho... Quer dizer, não fazia sentido levar a esposa para servir de árbitro nas comparações dos detalhes que cada um trazia no corpo... O fato de o tipo afirmar que compareceria armado eliminava a hipótese de uma acompanhante.
(...)
A conclusão era óbvia! Tertuliano chegou a pronunciar que ele também não levaria Maria da Paz...
Essa atitude beirou o ridículo! Sua relação com Maria da Paz não podia ser comparada à do casal! Bem que a Maria gostaria de ter um envolvimento mais sério com ele, mas este não era o seu caso.
(...)
Tertuliano guardou o mapa e o croqui desenhado pelo Antônio Claro... Depois tentou copiar a frase registrada no bilhete... Esforçou-se para imitar as maiúsculas. E tanto exercitou que ao final de uma folha não se poderia descobrir qualquer diferença entre as caligrafias.
O rapaz não tinha nada em mente ao se empenhar na imitação da letra do outro... Todavia nunca se sabe se haveremos de tirar proveito futuro de certas habilidades que adquirimos sem alimentarmos maiores expectativas.
O futuro é incerto para todos... Não se pode dizer “dessa água não beberei”... Saramago reforça a ideia afirmando que podem ocorrer ocasiões em que nos restará apenas a água que desprezávamos. Mas não eram essas coisas que passavam pela cabeça de Tertuliano.
(...)
Ele voltou a pegar o mapa e o croqui. Decidiu que devia conhecer previamente o sítio... Dirigiria até o ponto de encontro... Pelo menos não correria o risco de se perder no domingo.
Tertuliano era daqueles que podemos considerar “menos sociáveis”, ensimesmados e melancólicos...
Aparentemente a ideia fez muito bem para ele... Seu semblante mudou... O fato de livrar-se por algum tempo da redação de proposta pedagógica sugerida pelo diretor também lhe trouxe alívio.
(...)
As vias que dão acesso às estradas são sempre concorridas nas segundas metades das sextas-feiras... Incontáveis veículos conduzidos por motoristas apressados trafegam nas direções dos ambientes mais sossegados.
Tertuliano logo deixou para trás o congestionamento mais pesado... Seu objetivo era chegar ao local onde devia estar a casa evidenciada no croqui desenhado por Antônio Claro, fazer um reconhecimento do entorno e retornar. Só isso.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – encontro marcado urge preparo e antecipação de decisões; Maria à espera de esclarecimentos sobre o enredo no qual se sente envolvida

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_24.html antes de ler esta postagem:

Os dois “iguais” haviam acertado o encontro...
Em nenhum momento Tertuliano pensou que estivesse em desvantagem no caso pelo fato de o local definido por Antônio Claro ser completamente desconhecido por ele e localizar-se fora da cidade... Mesmo a possibilidade de o outro comparecer com sua arma carregada de balas parecia não o incomodar.
O professor decidiu que iria disfarçado com a barba postiça e que não a arrancaria enquanto o veredicto não fosse estabelecido... Levaria um espelho de tamanho suficiente para que os dois rostos fossem refletidos lado-a-lado... Definiu que, se o que podiam observar nas aparências fosse mesmo idêntico, não seria necessário avançarem para outras inspeções... Não era para desnudarem-se como se estivessem numa praia de nudismo (ou “concurso de medidas”) que se encontrariam.
Do mesmo modo que entendia a eficácia do estudo de História a partir de recortes do presente para se chegar à fonte de tudo, também aquela verificação poderia ser checada “de diante para trás”... Analisariam os rostos, as cicatrizes... A partir desses detalhes expostos reconheceriam (pelo menos em parte) o curso de suas vidas desde as origens.
(...)
Depois da conversa com o ator, Tertuliano meditou sobre o encontro que teriam... Voltou a trabalhar na proposta de prática de ensino tão esperada pelo diretor.
Maria da Paz telefonou-lhe mais à tarde... Ele perguntou se não era do seu gosto aparecer no apartamento... Ela respondeu que teria de ser breve porque a mãe não estava muito bem de saúde... Tertuliano lamentou e quis dissuadi-la da visita afirmando que em primeiro lugar estão as questões familiares... Todavia Maria deu a entender que seria importante passarem um tempo juntos.
(...)
O professor não a amava sinceramente... Ficamos sabendo que sua pretensão era a de finalizar o relacionamento... Talvez nem conhecesse os verdadeiros sentimentos que nutria pela moça.
O telefonema de Maria serviu para lembrá-lo que nem sempre valorizamos as pessoas que nos consideram importantes... Fez lembrá-lo de que não passava de um tipo solitário... Automaticamente levou as costas da mão para secar uma lágrima.
(...)
Maria chegou conforme havia combinado...
Cumprimentaram-se trocando beijos nas faces... Sentaram-se no sofá e falaram sobre a saúde da mãe de Maria... Felizmente não era nada grave... No banco a rotina ditava a alternância entre os dias bons e os menos agradáveis... Mais duas semanas e ela também entraria de férias, mas era certo que teria pouca chance de passear por causa das condições da mãe... De sua parte, Tertuliano garantiu que não havia como ficar entediado porque, apesar se manter afastado da rotina escolar, assumira a responsabilidade de redigir o projeto solicitado pelo chefe.
Maria achou interessante... Na sequência quis saber se ele não tinha mais nada a dizer... Obviamente se referia ao assunto da “mentira sobre a carta à produtora de filmes”.
Tertuliano respondeu que ainda não era o momento de entrar em maiores detalhes e pediu paciência... Ela disse que esperaria o tempo que fosse necessário... Contou que se sentia mais aliviada, pois ele havia sido sincero e, se antes imaginava um “muro intransponível”, depois da conversa que tiveram sentira que o que os separara era apenas uma porta... É claro que não sabia como abri-la.
Evidentemente a sequência do raciocínio colocava Tertuliano como o sujeito que solucionaria a situação... Mas ele nada disse... Apenas pensou que não “tinha a chave daquela porta”, não sabia onde encontrá-la e nem mesmo se havia alguma chave.
(...)
Maria levantou-se... Disse que já era tarde e que precisava ver a mãe... Tertuliano pediu-lhe que ficasse um pouco mais...
Despediram-se do mesmo modo como se cumprimentaram logo que Maria chegou.
Ele pediu que lhe telefonasse ao chegar a casa...
Na sequência pegou-a pela mão e levou-a ao quarto.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – Antônio Claro telefona e marca o encontro com Tertuliano; desconfianças e incertezas; sobre o que reflete Helena?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_23.html antes de ler esta postagem:

Passaram-se três dias...
O telefone da casa de Tertuliano tocou... Não era a mãe, Maria da Paz ou o diretor da escola.
Antônio Claro desculpou-se por considerar demasiado cedo... O professor de História garantiu que não havia problema nenhum, pois o que estava a fazer podia ser interrompido.
O ator foi explicando que depois de pensar, e de entrar em acordo com a esposa, chegou à conclusão de que tinham de se encontrar. Tertuliano aprovou a ideia e confirmou que não via sentido em não se conhecerem.
Para Antônio Claro, o encontro não podia ocorrer em local público... Considerava mesmo que naquela história ele é quem tinha mais a perder... Depois emendou que não conseguia admitir que fossem idênticos como o outro aludia.
Estando de acordo no principal ponto, restava saber onde se encontrariam... Tertuliano explicou que havia alguns inconvenientes de marcarem em sua residência... Principalmente porque os vizinhos, a senhora do andar de cima em particular, notariam os “dois Tertulianos”...
Antônio Claro sentenciou que haveria de ser num local deserto e afastado da cidade... Ele conhecia o ambiente ideal, localizado há uns trinta quilômetros. Então acertaram que o ator enviaria uma carta com o mapa e as orientações para se chegar sem atropelos ao local... Dariam um tempo para que a correspondência chegasse... Antônio Claro voltaria a telefonar no sábado para confirmar se Tertuliano já estava com o mapa... No domingo se encontrariam.
Antônio Claro fez questão de dizer que iria armado ao encontro... Tertuliano quis saber o motivo da desconfiança... O ator explicou que não o conhecia e que não tinha a menor ideia sobre suas intenções...
Indignado, Tertuliano disse que não pensava em sequestrá-lo ou eliminá-lo... Queria apenas esclarecer e tirar a limpo a verdade sobre o fenômeno. Ele também não o conhecia! É certo que o vira representando nos filmes, mas isso significava muito pouco.
Estavam “empatados”, mas Tertuliano fez questão de afirmar que não iria armado nem mesmo de um simples canivete.
Antônio Claro finalizou dizendo que era melhor não discutirem... Deviam se encontrar em paz... Tertuliano argumentou que a contradição estava com quem levaria uma arma... O outro disse que não havia motivos para se preocupar, pois a arma estaria descarregada...
Outra contradição! Tertuliano fez a observação, porém o tipo explicou que faria como se estivesse a ensaiar para um novo filme... No final saberia que daria tudo certo porque o script assim o garantia. O professor observou que na História não ocorre da mesma forma, já que só depois da concretização dos fatos é que se pode afirmar algo a respeito.
(...)
Os “iguais” se despediram cortesmente. Tertuliano disse qualquer coisa gentil ao se referir à Helena.
Antônio Claro havia dito à esposa que telefonaria para Tertuliano... Mas não queria que ela estivesse presente no momento em que se falassem.
Helena não fizera nenhuma objeção... Do escritório onde trabalhava telefonou para casa e na sequência para o número de Tertuliano... Desse modo pôde constatar que os dois se falavam conforme o marido havia determinado.
Ela nem conseguiria dizer por que precisara conferir.
Segundo Saramago, há que se considerar que Helena não daria sequência a qualquer tipo de conversa se o telefonema a Tertuliano fosse atendido... Dessa maneira não reconheceríamos nenhum “subtom” que pudesse despertar qualquer suspeita.
Evidentemente é melhor considerarmos que não havia entre eles intimidades que justificassem uma troca de ideias no meio de um dia de trabalho normal para a maioria das pessoas.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 23 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – reconhecendo o território de Tertuliano; o duplicado era tão inconveniente quanto uma hidra; o professor inicia o projeto, o ator estuda um roteiro; Helena chega mais tarde

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_22.html antes de ler esta postagem:

Poderia tirar proveito do fato de ter um tipo que era um “seu igual”? De alguma forma poderia “lucrar” com a situação.
A essa altura do texto não temos a menor ideia do que Antônio Claro pudesse planejar... Certamente não poderia envolver o professor de História em algum projeto da produtora que fosse desagradável para o próprio ator... A substituição ficaria muito aquém.
Enquanto terminava o seu café, Antônio Claro resolveu que poderia sair de carro e dar uma passada pela rua onde o professor morava... Conheceria o prédio e a vizinhança... Analisaria os tipos que circulam pela região.
(...)
Não teve a menor dificuldade em obter o endereço do outro... A lista telefônica estava ali também para essas emergências.
É isso mesmo... A mesma ideia que instigara Tertuliano chegara aos pensamentos do ator. Podemos dizer que ambos vivenciaram estímulos muito semelhantes... Daí a coincidência nas atitudes.
E não é só isso... Também ele preocupou-se com um disfarce... No seu caso não havia muito esforço a se fazer... Em uma de suas gavetas estava o bigode com o qual atuara como recepcionista de hotel em “Quem Porfia Mata Caça”.
Há que se ressaltar que, enquanto Tertuliano buscou o banheiro de um centro comercial para se disfarçar, Antônio Claro arranjou-se com a maior naturalidade no banheiro do próprio apartamento... Ninguém o interpelaria por sair com o bigodinho que bem poderia fazer parte de algum personagem dos filmes nos quais trabalhava com regularidade.
(...)
Antônio Claro dirigiu por cerca de uma hora... Ao analisar o mapa da cidade verificou o que já sabemos... Tertuliano residia do outro lado.
A iniciativa se resumia a chegar ao local e rodar pelo quarteirão passando umas três vezes em frente ao prédio do professor.
É bom que se saiba que não haveria a menor chance de topar Tertuliano pela rua porque o mesmo resolveu dedicar-se diante às reflexões sobre a proposta pedagógica que teria de preparar a pedido do diretor. Por isso não deixou a escrivaninha um só instante.
Sem fornecer maiores detalhes, Saramago adianta que Tertuliano jamais voltaria a entrar numa sala de aulas.
(...)
O ator não viu nada de muito importante... Uma rua comum, “um prédio igual a tantos”... E é só isso.
Tertuliano vivia no segundo andar, exatamente no apartamento localizado no lado direito do edifício... Antônio Claro ainda não tinha como mensurar a grandeza do fenômeno que aquele tipo representava... Algo tão espetacular como a hidra de Lerna.
Neste ponto ainda não sabemos qual dos dois veio ao mundo primeiro... O que nasceu depois só podia ser visto como um estorvo.
A grande cidade era pequena para os dois... Só se podia esperar confusão. Podiam passar a vida sem se conhecerem. Mas pelo visto um encontro se tronava cada vez mais inevitável.
Também a hidra era inconveniente... Ocupava ”um lugar que não era o seu”... Por isso Hércules a matou.
(...)
Reconhecimento realizado, sem ter mais o que fazer no bairro de Tertuliano, Antônio Claro retornou à sua casa... Precisava trabalhar no roteiro que vinha estudando exaustivamente nos últimos dias. Seu próximo papel seria de um advogado e precisava decorar falas e gestos.
Depois sairia para almoçar e voltaria aos estudos até a chegada da esposa.
Tanto se esforçara que os resultados não tardaram. Ainda não chegara a despontar como ator de primeira linha, mas a crítica vinha reconhecendo a sua interpretação, e era certo que seu nome apareceria no cartaz de divulgação do próximo filme.
(...)
Tanto pensou sobre as possibilidades de ir além do que o roteiro solicitava que voltou a pensar nas ruas do bairro de Tertuliano... Pensou também no tipo que tinha voz idêntica à sua...
Era preciso tirar algum proveito de toda aquela história... De modo algum aceitaria passivamente a intromissão em sua vida e o diálogo que ousara manter com sua esposa.
Mas não estava tão convicto sobre o modo como devolveria a ofensa.
Helena chegou um pouco mais tarde do que o habitual... Atribuiu o atraso ao trânsito mais carregado.
Antônio poderia confirmar porque ele também havia saído pela cidade... Mas não quis entrar em detalhes.
Também Helena não pretende falar a respeito do que fizera durante o dia.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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