Enfim Tertuliano descobriu o que desejava...
Conheceu o nome do ator secundário, o seu “retrato vivo”.
Fez tudo sozinho... Devemos reconhecer que usou de metodologia eficaz... Não fosse pelos dois filmes que decidiu “saltar”, diríamos que a seguiu à risca.
Exatamente por não contar com ninguém em sua empreitada, não tinha com quem comemorar o feito... E também não tinha a quem anunciar o sucesso da empreitada, já que pretendia manter segredo.
É por isso que não o vemos telefonando para a mãe, à Maria ou ao professor de Matemática para compartilhar a felicidade de saber que o nome do “desconhecido ator” de filmes secundários se chama Daniel Santa-Clara.
(...)
Tertuliano não tinha a menor intenção de falar a
respeito de suas investigações... Isso haveria de ser mantido em “silêncio
absoluto”... Ninguém conheceria também os próximos passos que daria.
Havia triunfado na primeira fase e por hora não lhe restava mais o que
fazer a respeito... Pelo menos durante o que lhe restava de fim-de-semana...
Mas isso era tudo... Nada mais sabia a respeito da estranha personagem.
Devia entrar em contato com a produtora para perguntar
a respeito? Perguntar o quê? É claro que não podia agir por impulso e na
improvisação. Mesmo que isso já fizesse parte de seus planos, naquele momento
nada poderia fazer porque evidentemente o escritório estava fechado.
Se telefonasse à produtora provavelmente seria atendido por um segurança
que em nada o ajudaria... Teria de aguardar a segunda-feira.
Isso o fez tremer de pavor
e também de inquietação... O que faria do tempo que lhe restava... Assistir aos
filmes que ainda não vira em nada acrescentaria... No máximo saberia dos outros
papéis nos quais o Santa-Clara havia atuado (professor de dança, crupiê e vai saber
em quais mais...).
Podia pedir à Maria da Paz que lhe fizesse companhia... Sinceramente não
se sentiria bem. Agiria como um covarde, um tipo que só aceita a presença da
outra para fugir do tédio da inação.
(...)
Estava nessa espécie de encruzilhada quando decidiu que uma consulta à
lista telefônica não seria uma má ideia. Encontraria o nome do Santa-Clara e teria
acesso inclusive o seu endereço... Depois, de posse do número da casa e
devidamente disfarçado, rodaria com o carro até a rua, conheceria o ambiente do
seu “retrato vivo”.
O professor pensava sobre essa possibilidade e o estômago regia à sua ansiedade.
Abriu a lista na página com os nomes que se iniciam pela letra “S”... Três
assinantes eram Santa-Clara, mas nenhum se chamava Daniel.
(...)
Podia ser que o ator que
aos poucos deixou de ser secundário estivesse de mudança... Também podia
ocorrer de o tipo não querer o nome exposto nas páginas dos assinantes do
serviço de telefonia... Sabe-se que várias personalidades, das mais diversas
áreas (e por diversos motivos) solicitam que sua identificação seja excluída da
lista.
Estava claro que o Daniel
Santa-Clara não era nenhuma celebridade do cinema, tampouco se tratava de
delinquente que quisesse se manter no anonimato... Mas então, por que sua
identificação telefônica não constava da lista?
Essa questão levou
Tertuliano a uma conclusão que, embora simplista, podia levá-lo a ações mais
concretas... Podia ser que um dos Santa-Clara da lista tivesse parentesco com o
Daniel que o interessava. Podia ser que os três fossem parentes e até mesmo que
o tipo morasse com um deles... Podia ser que o telefone do qual fazia uso ainda
estivesse no nome do avô falecido...
(...)
Por algum tempo Tertuliano deixou-se ficar na cadeira com os cotovelos
apoiados nos joelhos e as mãos na cabeça... Pensou sobre o que faria a partir
do concluído... Calculou iniciativas e as prováveis consequências... Raciocinou
como se estivesse disputando uma partida de xadrez.
Tudo se resumia a ter de
definir com acerto o próximo passo...
Mais de uma hora se passou.
Então se dirigiu à escrivaninha. Acomodou-se e
posicionou a lista telefônica “aberta na página do enigma” bem à sua frente.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_22.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto