É claro que ela já vinha de um histórico de reflexões sobre a possibilidade de ouvir a frase fatal... Todo aquele exercício a fragilizara... Evidentemente a revelação a abalou.
Reuniu forças para dizer que “já sabia”... Isso era algo que temia desde o ano anterior e a ideia de perdê-lo já apavorava seus pensamentos quando se pôs a chorar no Clube Delisa...
Quis saber como chegaram àquela situação. Lewis respondeu que ocorreu que o sentimento que cultivava foi se arrefecendo aos poucos... Esperou durante todo o ano e refletiu sobre a situação. Gostaria que ela estivesse presente, mas tinha de amargar a impossibilidade de não tê-la ao lado...
Deu de ombros... O que fazer? Sentenciou que era preciso “não perder a cabeça”. Esperou que por ocasião do reencontro “algo especial” pudesse ocorrer.
Ele falava como se estivesse tratando de situação que envolvia pessoas hipotéticas ou distantes... Anne ouvia a tudo calada imaginando que o presente dado por Paule contribuíra para aquele trágico desfecho.
(...)
Mergulhada em suas reflexões, começou a pensar que
teria de procurar uma saída como ocorrera no ano anterior... Perguntou sobre o
que fariam... Lewis respondeu apenas que gostaria que passassem “um bom verão”.
Como que a justificar essa possibilidade, fez referências ao dia que se
encerrara avaliando-o como positivo... Anne o corrigiu imediatamente dizendo que
o dia havia sido um inferno.
Lewis discordou... Redarguiu e mostrou-se surpreso ao saber que ela
notara mudanças no relacionamento.
Anne disse que não tinha nada a dizer sobre aquele comentário.
Ela pensou sobre os episódios do ano anterior e os esforços dele, carregados
de rancor, na intenção de deixar de amá-la. O amor que nutria por ela era tanto
que impediu o “triunfo da separação”. Todavia o reencontro evidenciava-se
catastrófico... Não se verificava nenhum esforço da parte dele... Simplesmente
não a amava mais. Era isso.
(...)
Anne finalizou com um “boa-noite”.
Ele ainda quis mostrar
gentileza ao dizer que não pretendia torná-la triste. Acariciou os cabelos dela...
Ao mesmo tempo ela garantia que não havia com o que se preocupar.
Lewis desejou-lhe que
dormisse bem.
(...)
Apesar do cansaço, Anne não conseguiu dormir.
Durante toda a noite
refletiu sobre o seu envolvimento com Lewis Brogan... Concluiu que “o amor
nunca é merecido”... Assim como ele a havia amado sem razão, podia deixar de
amá-la “sem razão plausível”.
Estremeceu e chorou copiosamente...
Não mais o ouviria a perguntar-lhe sobre os motivos de seu riso... Seu
rosto denunciaria lágrimas derramadas apenas.
Era triste concluir que tudo o que ele lhe havia dado
seria “pago ao peso de lágrimas”.
(...)
A noite avançou... Aos poucos os móveis tornaram-se vultos.
Alguns sons longínquos chegaram-lhe aos ouvidos... Apitos de trens da
madrugada denunciaram o horário.
Ao lado, Lewis dormiu pesadamente... A ele nada sucedera.
A cortina amarela foi se
revelando... Manhã.
Anne dirigiu-se à cozinha para servir-se de uísque
e um comprimido de benzedrina.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-o_22.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto