Se permanecesse em casa teria ficado aos prantos...
O percurso pelas ruas de Chicago foi marcado pela dúvida... O que podia esperar dos dias vindouros?
Os mesmos locais que a fascinaram na época de seu primeiro encontro com Lewis agora lhe pareciam hostis... E tudo porque se sentia desamparada.
A essa angústia acrescentava-se a ciência de que aquele imenso país (ao qual não pertencia) estava marcado por agressivo poderio atômico e por ameaças de guerra. Não é de se estranhar que se sentisse totalmente desprotegida e visse apenas inimigos ao seu redor.
(...)
Anne dedicou boas horas à sua volta pelos bairros.
Ao fim da tarde se aproximou do luminoso que anunciava
“Schiltz”... A única questão que ainda abalava seus pensamentos era sobre o que
ainda a motivaria a permanecer... Haveria alternativa além do regresso à
França?
Calculou que não seria correto permanecer junto a Lewis porque isso a
impediria de acabar de vez com os sentimentos que nutria por ele. Apenas a distância
seria capaz de “matar o amor” que persistia em seu íntimo.
No último momento, porém, sentenciou a si mesma que não queria “matar o
amor” por Lewis. Isso significaria fazer dele “tão morto como Diego”.
(...)
Na manhã seguinte, enquanto encaixotava algumas latas de conservas,
Lewis disse que esperava que ela aprovasse a casa das dunas.
Anne respondeu que certamente gostaria do novo ambiente. Ela esperava
mesmo que os ares de Parker a afastassem das reflexões sobre o passado e o
sufoco do momento presente que Chicago escancarava aos seus olhos.
Ela fez a mala e colocou o “huipil”
no fundo como se quisesse livrar de algum malefício que a veste pudesse
carregar... Também com desprezo lidou com as demais peças que havia escolhido
com tanto cuidado na esperança de viver momentos de felicidade. Fechou a
bagagem e serviu-se de generoso copo de uísque.
Lewis a advertiu sobre a
bebida... Ela não se importou e ingeriu nova dose ao mesmo tempo em que engolia
mais uma benzedrina.
Na certa esse era o
seu modo de se preparar para os dias de convívio com amigos de Lewis... Ela
sabia que teria poucas chances de se isolar para chorar.
(...)
Evelyne e Ned apareceram.
Esse casal os levou até
Parker de carro. No trajeto, Evelyne dispôs-se a falar com Anne, que se dedicou
a responder e a contemplar as paisagens marcadas por imensa planície, áreas
residenciais, bosques cultivados de modo simétrico...
Avistaram a casa.
As paredes brancas e o gramado que se estendia desde a sua entrada até a
represa davam-lhe um ar gracioso... Era ali onde passariam os próximos dois
meses. Lewis quis saber a opinião de Anne e ela respondeu que o lugar era magnífico.
(...)
Ao chegarem foram recepcionados por Dorothy, sua irmã
Virgínia e o cunhado Willie. Eles desejaram-lhes as boas-vindas. Churrasco de hambúrgueres
acebolados e muita bebida os aguardavam... Anne tratou de esvaziar o uísque do
copo que lhe entregaram.
Dorothy teceu considerações elogiosas sobre a casa, as dunas e a
represa... Tudo muito bonito... A represa podia ser atravessada em cinco
minutos e assim chegava-se à praia!
Sobre essa Dorothy, Anne esclarece que se tratava de um tipo trigueiro,
rosto duro e cansado... Tinha a voz exaltada... Certamente amara Lewis e
provavelmente ainda o amasse... Seu olhar transmitia sinceridade.
Totalmente integrada ao ambiente, Dorothy disse que o jantar ao ar livre
era sempre maravilhoso... No bosque encontravam os galhos secos que
precisavam... Dessa maneira convidava Anne a tomar parte das tarefas.
Lewis segurou o braço de
Anne e brincou que lhe compraria um machadinho.
Depois seguiu com ela para casa.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-o_24.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto