Ainda sobre Patrice Lumumba, Kapuscinski apresenta outros juízos: “filho do povo”; em determinados momentos, ingênuo e místico; tipo extremamente complexo; não há como defini-lo objetivamente; “incendiário caótico”; “poeta sentimental”; “político ambicioso, de alma animada”; “flexível e inflexível”... Até o fim de sua jornada manteve-se firme em seus propósitos e verdades.
O público dos bares se sentia atraído por ele... Suas convicções eram transmitidas com clareza que convencia a todos...
Para Kapuscinski, Lumumba fizera exatamente o que os poloneses esperavam de suas lideranças: entregara à sua gente uma “orientação política”. Ao tempo em que era ouvido nos comícios e bares, diziam il a raison (ele está certo)... Após a sua morte continuaram a sentenciar Oui, il a avait raison (Sim, ele tinha razão).
(...)
Na sequência, Kapuscinski faz uma análise do panorama
político do Congo... Ele reservou um trecho do seu A Guerra do Futebol para apresentar algumas reflexões sobre a
situação, destacando as dificuldades para uma “ação unificada” no vasto país
africano.
Não eram poucos os que consideravam o Socialismo a melhor alternativa...
(...)
Certa vez, três jovens apareceram no hotel onde
Kapuscinski estava instalado com os companheiros jornalistas tchecos. Eles se
apresentaram como “socialistas de Kasai”.
Para Kapuscinski, o inusitado estava no fato de os tipos solicitarem
dinheiro para o partido (que se resumia a eles três). O Partido Socialista de
Kasai estava inteirinho naquele quarto!
Os moços recorriam aos jornalistas de países socialistas porque
acreditavam que conseguiriam donativos para a sua campanha política, que
consistia em subornar as autoridades de sua província...
Jarda explicou que não era com aquele tipo de expediente que o
Socialismo se tornaria uma realidade... Depois falou sobre a importância de organizar
as massas.
Os rapazes quiseram saber se os jornalistas notavam alguma mobilização
nas ruas... E emendaram que no Congo não havia a menor condição de aglutinar os
oprimidos, sempre dispersos e passivos...
Eles queriam dizer que as
mudanças políticas só aconteceriam a partir da ação do “pequeno círculo de
líderes”...
Quantos eram esses? Talvez
uns quinhentos... A arrecadação do dinheiro se justificava na medida em que
seria preciso cooptar lideranças para “dar corpo ao partido”...
(...)
Kapuscinski se
pergunta que tipo de governo se estruturaria a partir de manobras como
aquela... Os próprios rapazes sentenciaram que a “forma de governo” seria
definida pelos que pagam.
O polonês pensou sobre os mil dólares que ainda possuía e brincou de imaginar
um exercício a respeito da “republiqueta” que poderia comprar... Um absurdo...
Aqueles três formavam o Partie Socialiste
du Kasai, no qual desempenhavam as funções de presidente, secretário-geral
e tesoureiro... Via-se que o partido contava com o velho Chevrolet estacionado
à frente do hotel... O presidente era casado e era pai de duas pequenas
crianças...
(...)
A estorinha é bizarra, mas de
certo modo serve para ilustrar o panorama de imaturidade política que imperava em
Gana. O país chegou a possuir cerca de noventa partidos! Essas são informações de
Pierre Artique coletadas por Kapuscinski, que esclarece que havia 112
candidatos nas eleições de 1960... Talvez fossem uns 200... Nem dá para saber
ao certo.
As sociedades europeias levaram séculos para atingir amadurecimento
político... As transformações que resultaram na redução objetiva da quantidade
de partidos foram lentas...
Mas em três anos o Congo havia passado por transformações intensas. Obviamente
não houve o amadurecimento a que o parágrafo anterior faz referência.
A cada semana, desde 1958, mais de um partido aparecia
no cenário político congolês... Kapuscinski cita o exemplo de um “Partido
Popular do Congo”, que apareceu em Leopoldville e que possuía “homônimos” em Kindu,
Boende e Kenge...
Após a independência eles
podiam se juntar numa só agremiação, e os presidentes até se reuniram, mas a
unificação “se revelou inviável”.
Unificar os partidos implicaria definir quem seria o presidente... “As
massas de Kindu não conheciam o presidente de Boende, que não tinha o que dizer
às massas de Kenge, que jamais fora visitada por ele”.
O povo não decidia absolutamente nada... Entre
os dirigentes havia ambições e vaidades... Todos entendiam que o momento era
propício para se candidatarem... Na jovem e complexa nação, todos entendiam que
tinham as mesmas chances nas disputas pelo eleitorado.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto