sábado, 31 de janeiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – de delírios, raciocínios esquizofrênicos e conclusões equivocadas; Anne consegue encaminhar Paule ao doutor Mardrus

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de_28.html antes de ler esta postagem:

Há quem pense que situações como a exemplificada em Os Mandarins sejam remotas, que jamais viverão ou serão vivenciadas por aqueles que lhe são próximos.
Depois da calmaria sempre pode ocorrer uma catástrofe... E nem sempre a fortuna nos agracia mantendo-nos distantes das avarias...
O que dizer sobre o lamentável encontro de Anne com Paule? Ficou claro que Paule precisava de tratamento psiquiátrico...
(...)
Você pode dizer que as alterações na vida da moça foram intensas e que ela estava despreparada para os tropeços...
Mas quem poderá garantir que esteja qualificado para encarar os “percalços existenciais”?
(...)
Na tarde seguinte, os Dubreuilh tomavam café quando Claudie chegou preocupada com Paule. Disse que almoçariam juntas, mas a garota não apareceu... Claudie disse que, ao telefonar para o estúdio, foi atendida por uma Paule que ria histericamente ao mesmo tempo em que gritava “sentem-se à mesa”, como se estivesse louca...
Anne decidiu conferir a situação... Claudie quis colaborar de alguma forma e ofereceu carona, então as duas seguiram para o estúdio.
(...)
Paule apenas entreabriu a porta... Dispensou-as dizendo que não precisava da ajuda de ninguém... Na sequência, trancou a porta com extrema violência e gritou ofensas (chamou de “comédia” a intromissão das duas).
Anne notou o seu semblante cansado e um chale violeta cobrindo a sua cabeça.
Tiveram de se retirar dali... Na calçada, Claudie sentenciou que num caso como aquele se fazia necessário comunicar alguém da família (Paule tinha uma irmã)... Anne concordou, mas insistiu em ver Paule e convencê-la a descansar.
Em conversa com a zeladora, ficou sabendo que a situação era mais grave do que se podia imaginar... Fazia cinco dias que Paule não comia nada... Os moradores dos apartamentos de baixo estavam protestando da intensa movimentação e barulho provenientes do apartamento dela.
Anne e Claudie se dirigiram novamente ao apartamento... Dessa vez havia uma folha datilografada com um “aviso” (o “macaco mundano”) colada na porta... Não adiantou baterem ou Anne ameaçar derrubar a porta... Pela fechadura pôde ver que a outra estava ajoelhada diante da lareira, onde atirava grandes volumes de papéis.
Mas Paule acabou abrindo a porta para confirmar que não queria auxílio de nenhuma forma... A moça chorava copiosamente e tinha o nariz escorrendo... Estava um verdadeiro trapo... Aliás, além de manuscritos e cartas, atirava roupas ao fogo da lareira.
Com muita paciência e educação, Anne tentou dissuadi-la... Disse que seu estado era dos mais graves e que precisava de ajuda... Mas Paule começou a urrar e a expulsá-las do estúdio... Berrava a certeza de que era odiada por todos e dirigia palavras de ódio a Anne e Claudie.
(...)
Não havia como intervir... As duas se retiraram... Claudie telegrafou para a irmã de Paule... Anne encaminhou um recado a Henri.
(...)
À noite apareceu um rapaz com um bilhete para Anne... O tipo era sobrinho da zeladora do prédio onde Paule morava... O rabisco implorava que Anne a visitasse imediatamente, pois ela não lhe tinha ódio.
Nadine se irritou e quis impedir que a mãe fosse até a casa de Paule... Além de não resolver nada, era muito arriscado... Mas Anne insistiu que iria, então a moça decidiu que não a deixaria ir sozinha.
Robert concordou com Nadine e resolveu que ele mesmo devia acompanhar Anne.
(...)
Paule estava em frangalhos e seu aspecto era dos mais deprimentes... Mas não ofereceu resistência... Solicitou que os Dubreuilh entrassem.
Os espelhos estavam quebrados e sobre os tapetes jaziam estilhaços... A atmosfera estava pesada devido à grande quantidade de papéis e também de tecidos que ela atirou à lareira...
Paule acomodou os Dubreuilh como foi possível... Depois passou a agradecer-lhes... Enfim entendia que tudo o que havia sofrido não era sem uma razão... Perguntou, como que a querer conferir sua conclusão, se tinha ou não razão.
É claro que a moça “variava” das ideias, Anne disse que não havia nada a ser agradecido, todavia (para não torná-la ainda mais indisposta) respondeu que todos agiram para ajudá-la...
Na sequência, Paule quis um conselho: devia ingerir ácido prússico (cianureto de hidrogênio)? Robert interveio imediatamente e disse que não permitiria que ela tomasse o veneno...
Paule quis saber como se redimiria se não pretendia mais ocupar-se de si mesma... Anne disse que ela precisava repousar... Ao mesmo tempo ficou intrigada com a possibilidade de haver mesmo alguma quantidade do ácido em sua bolsa.
Então, se não devia se suicidar, Paule começou a imaginar o que poderia fazer de sua vida... Disse que pretendia trabalhar para pagar o que devia a Henri, pois assim ninguém mais a insultaria... Poderia trabalhar como doméstica?
Robert pediu que não se preocupasse porque poderiam arranjar-lhe uma ocupação.
(...)
Ela se lembrou de que havia queimado vestidos e outras peças... No mesmo instante se mostrou incomodada... Teria esse direito? As roupas podiam ser vendidas ou distribuídas... Por que não doá-las aos necessitados naquele mesmo instante?
Ao colocar um casaco sobre os ombros para encaminhar-se à rua, Paule parou repentinamente e assumiu que aquele comportamento era uma “comédia”... Então levou as mãos aos olhos sem conseguir conter as lágrimas e concordou que estava muito doente. Pediu que tratassem dela.
Anne dissolveu um comprimido num copo d’água e entregou-lhe garantindo que se sentiria melhor... Ela ingeriu o remédio e aceitou deitar-se.
(...)
Anne verificou a bolsa de Paule e constatou que havia mesmo um frasco com o veneno... Obviamente escondeu-o no seu bolso.
No dia seguinte ela a encaminhou ao doutor Mardrus.
O especialista disse que Paule seria curada...
Anne pensou sobre o tipo de mulher que resultaria do tratamento... Certamente uma como as demais, “que não sabe por que vive”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – de delírios, raciocínios esquizofrênicos e conclusões equivocadas; um “tenso jantar”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de.html antes de ler esta postagem:

Uma loucura, sem dúvida...
Anne a ouvia enquanto analisava seus gestos...
E o que dizer do estúdio vermelho? Que cenário para devaneios e assassinatos! E não é que a moça manipulava nervosamente o zíper de uma bolsa que tinha sobre os joelhos!
(...)
Anne resolveu dizer que a amiga não estava bem... Marcou um jantar e esqueceu-se de convidar as pessoas e preparar a refeição... Devia estar muito fatigada para imaginar toda aquela perseguição... Sugeriu que ela se acalmasse até que lhe fosse arranjada uma consulta com o Doutor Mardrus...
Paule admitiu que sofria de dores de cabeça, mas gozava de consciência suficiente para saber que “fatos são fatos”...
Anne quis que ela explicasse quais eram os fatos... Então Paule fez uma série de perguntas para as quais imaginava respostas suspeitas... Questionou o motivo de Claudie postar sua última carta na Rua Singer... E por que na casa à frente há um macaco que faz trejeitos para ela? Por que Anne teria contrariado sua afirmação sobre não ter condições de manter um salão? Ora, ela “sabia” que todos a acusavam de haver macaqueado Henri quando se meteu a escrever... E também a Claudie, quando meteu-se em seus vestidos e em sua “vida mundana”...
Ela finalizou essas “aberrações” perguntando se todos haviam se unido para salvá-la ou para destruí-la.
Anne disse que o que Paule chamava de “fatos” nada mais era do que "acasos” que nada significavam... E acrescentou que ninguém jamais quis destruí-la... Afinal, não eram amigas?
A princípio Paule não aceitou a refutação de suas ideias sobre os “fatos”... Depois silenciou, disse que a recebia muito mal e que remediaria tudo com uma garrafa de vinho do Porto...
(...)
Enquanto arrumava os copos, Paule perguntou por Nadine... Anne falou sobre o rompimento com Lambert. A outra perguntou sobre quem seria o novo amante da garota... Anne disse que, até onde sabia, não havia nenhum outro rapaz.
Mas e Henri? Nadine não se aventurava com ele? Anne lembrou-lhe que os Dubreuilh estavam brigados com Perron... E quis saber se ela não havia lido o jornal em que as cartas ofensivas de Henri e Robert estavam estampadas lado a lado...
Paule ironizou e deu a entender que até aquele jornal havia sido “montado” como peça de “faz de conta” para iludi-la.
É claro... Não havia o menor sentido em discutir com aquela maluca.
(...)
Mas Paule estava decidida a provocar... Não acreditava que Nadine não mais se encontrasse com Henri... E disparou que a garota devia amá-lo, até porque decidiu viajar com ele para Portugal... Anne tentou explicar que para sua filha o envolvimento com Henri era diversão, e que seu interesse maior era a experiência da viagem em si...
Paule se comportou como se fosse uma inquisidora e disparou várias perguntas sobre como é que ela não se importou em permitir a viagem... Anne disse que depois da morte de Diego a garota precisava de mais liberdade...
Na sequência observou que falavam muito de sua vida, mas não da vida de Anne... Despejou o resto do vinho no copo dela e quis saber sobre a sua vida com Robert, e também se ela já tivera casos amorosos.
De repente Anne estava disposta a falar sobre os “casos sem importância” e também sobre Lewis Brogan... Chegou mesmo a dizer o seu nome, que morava nos Estados Unidos, que era escritor e que o amava... Mas Paule reclamou que a América é território distante e que tinha interesse de ouvir sobre os casos que ela vivera na França.
Acrescentou que ela podia falar-lhe de Henri, pois era claro que tinha algo a esconder... Anne refutou imediatamente e disse que sua filha (e não ela) se envolvera com ele. Mas Paule retomou o tom mais agressivo ao dizer que sabia que Anne fizera de tudo para afastar Nadine de Henri e, assim, ficar livre para amá-lo.
A moça disse essas coisas ao mesmo tempo em que recomeçou a abrir e fechar o zíper de sua bolsa...
Anne levantou-se e esbravejou dizendo que, se era assim que ela pensava, então iria embora...
Paule disparou que “estava tudo claro” para ela, e agora podia entender por que Anne e Henri se afastaram do grupo em meio à multidão na noite das festividades pelo fim da guerra em 1945...
Aquilo já era demais para Anne... Ela protestou dizendo que Paule precisava de um médico urgentemente.
De sua parte, Paule continuou a insistir que havia sido enganada por todos e que teria de descobrir tudo sozinha... Anne disse que não teria como ajudá-la se ela não confiava nela...
(...)
Foi com certo alívio que Anne conseguiu sair do estúdio, mas Paule “se despediu” dizendo que ela podia sair e encontrar os demais para falar-lhes mentiras sobre o encontro que tiveram ali.
Como se vê, o caso de Paule estava se agravando a cada dia.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – de delírios, raciocínios esquizofrênicos e conclusões equivocadas; convite para o jantar

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-nova.html antes de ler esta postagem:

Estamos neste ponto em que Anne fez a visita a Paule...
O cenário é dos mais deprimentes, já que o estúdio mais se parece com uma câmara mortuária cheio de rosas que já exalavam cheiro ruim...
Paule imaginava que Henri apareceria para se reconciliar com ela... Anne sabia que a moça só podia estar delirando sem admitir a verdade dos fatos...
Vemos que Paule mergulhou fundo num enredo de lógica insana...
Quando bateram à porta, seu coração deve ter disparado de emoção... Mas quando ela viu que, em vez de Henri, quem chegava era uma senhora procurando a clínica que funcionava no mesmo prédio, seu humor se alterou completamente.
Anne percebeu aquela alteração e procurou entretê-la conversando sobre seus afazeres de escritora.
(...)
Anne perguntou sobre a sua produção textual... Paule quis saber se ela se interessava mesmo por aquilo e foi passando-lhe um maço de folhas azuis que estava na escrivaninha...
A moça não desviava o olhar da direção da porta... Anne via que a redação dela estava bem confusa e com muitos erros, então disfarçou interesse pelos papéis pedindo a ela que lhe fizesse uma leitura em voz alta...
Não há detalhes sobre o conteúdo dos textos de Paule... Anne o resume em uma palavra: “aterrador”.
(...)
Num dado momento da leitura de Paule ouviu-se o som da campainha... Ela deu um salto e acionou um dispositivo que abria a porta do térreo.
Em pouco tempo um tipo em uniforme apareceu anunciando a entrega de um telegrama... Paule recebeu a correspondência e passou-a para Anne pedindo para ela abrir e ler.
A mensagem era de Henri e o conteúdo era bombástico... Dizia que não havia nenhum mal entendido e que só poderiam ser amigos quando ela admitisse que tudo se acabara, pois entre eles “o amor morreu”...
Por fim, Henri solicitava também que não lhe escrevesse mais.
Na sequência Paule atirou-se violentamente sobre o divã... Gemia e vociferava que não compreendia o telegrama...
Anne ficou transtornada... O que poderia fazer para mantê-la calma? Disse-lhe que “o amor não é tudo”, disse que ela devia se curar e que “é preciso sarar”...
(...)
Tudo indica que as duas amigas se afastaram... Provavelmente Paule se acalmou e Anne se despediu...
Os dias se passaram sem que novo contato ocorresse. Anne retirou-se em Saint-Martin num dos finais de semana e depois de retornar recebeu um recado escrito de Paule sobre um jantar para a noite do dia seguinte... Tomou posse do telefone e, quase que automaticamente, ouviu Paule confirmar o jantar do outro lado da linha.
(...)
Mais uma vez vemos Anne chegando ao estúdio onde Paule vivia... Ao avistá-la sentiu angústia imediata... A moça não estava maquilada e trajava uma velha vestimenta... Também os cabelos estavam descuidados.
Surpreendia a grande mesa organizada para doze pessoas... Paule foi perguntando se Anne trazia-lhe felicitações ou condolências pelo seu “rompimento com o amante”. Isso ficou sem resposta e, na sequência, Paule perguntou sobre os “outros”... Naturalmente Anne não tinha a menor ideia a respeito do que ela dizia...
Via-se que a situação se agravara ainda mais... Paule perguntou o que Anne gostaria de comer, mas acrescentou que não tinha preparado nada... Sugeriu preparar-lhe macarrão...
Anne desconversou... Disse que normalmente não jantava... Notou que a expressão de Paule era sinistra... Entendeu que só podia ser ódio o que ela carregava em seu olhar... Perguntou-lhe sobre quem ela esperava para o “jantar”.
Paule respondeu que esperava que “todos viessem”. Quem? Além da própria Anne, Henri, Volange, Claudie, Lucie, Robert, Nadine, enfim “toda a coalizão”. 
(...)
Sim... Agora Paule anunciava suas novas conclusões... Tudo o que vinha sofrendo desde a separação de Henri só podia ser o resultado de um acordo entre aqueles seus conhecidos...
Ela deixou claro que, se tinham entrado em conluio para ajudá-la, tudo bem, agradeceria e partiria para a África para lidar com leprosos, mas, se quiseram prejudica-la, teria de se vingar.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – nova visita de Anne a Paule; de delírios, raciocínios esquizofrênicos e conclusões equivocadas

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_26.html antes de ler esta postagem:

“Renunciar à possibilidade de manifestar-se através da produção textual e, por extensão, à oportunidade de agregar os que se identificam politicamente”...
Em síntese, foi isso o que Robert anunciou à esposa.
Os pensamentos de Anne carregaram-se de lamentos também por causa da “aposentadoria” de Dubreuilh... Sua decisão o colocaria na mesma condição dos demais: “viver para comer; comer para viver”...
Mas não era exatamente desse vazio existencial que procuraram se distanciar durante toda a vida?
(...)
Alguns dias se passaram sem que Anne conseguisse se livrar daquelas reflexões amargas...
Certa manhã foi surpreendida por um entregador que trazia-lhe belas rosas vermelhas... No buquê havia uma carta de Paule anunciando sua felicidade.
No começo da mensagem ela grafou “Lux”, pois queria dar a entender que agora “enxergava tudo mais claramente”...  Por isso enviava as rosas, por isso a aguardava para uma visita à tarde.
Robert notou no mesmo instante que a moça não devia estar bem... Sugeriu à esposa que a encaminhasse ao Mardrus (reconhecido médico e escritor psicanalista de origem árabe radicado na França)...
Anne respondeu que não seria nada fácil convencê-la.
(...)
Chegando ao estúdio, Anne foi recebida por Paule trajando um daqueles vestidos longos e casuais... Seus cabelos estavam soltos e enfeitados por uma rosa.
Todo o apartamento estava enfeitado de rosas... Também no vestido, na altura do coração, podia se ver uma daquelas flores. Ela foi dizendo que Anne era muito gentil e, como se estivesse se desculpando, acrescentou que tinha sido repugnante com ela...
Anne respondeu que era ela quem devia agradecer pelas belas flores.
Paule explicou que aquele era um grande dia em sua vida, pois em breve Henri chegaria para reatar o relacionamento.
Essas palavras soaram estranhas aos ouvidos de Anne... Para ela, se Henri aparecesse seria por caridade...
Mesmo sem acreditar na visita, Anne recuou e disse que Paule não devia convidá-la porque sabia que Henri ficaria furioso se a visse... Já próxima à porta, completou que retornaria no dia seguinte...
Paule implorou para que ela não se fosse... Dirigiu-se à cozinha, de onde saiu com uma garrafa e duas taças... Abriu a garrafa e disse que “beberiam ao futuro”... Explicou que passara a noite tentando descobrir o que havia acontecido de errado para que sua relação com Henri chegasse àquele ponto...
(...)
Anne percebeu que a moça estava com sérios problemas de saúde mental... Não havia dúvidas de que ela permanecera acordada por muitas noites...
(...)
Paule seguiu dizendo que havia refletido sobre suas férias na Borgonha junto ao pessoal de Claudie Bezunce...
Para ela, estava claro que cometera grave erro ao enviar postais ao Henri...
Ela dizia essas coisas sem esconder sua satisfação por ter “desvendado” a trama da qual ela e o amado eram vítimas... Sua conclusão era a de que Henri estava sofrendo de ciúmes... E isso porque, durante o tempo em que estiveram afastados, ela ousou arrumar-se e cometer certas extravagâncias...
(...)
A cada palavra de Paule, Anne convencia-se de que fizera bem em permanecer... Via-se que a moça estava delirando e que precisava de tratamento urgente.
(...)
Falava sobre o postal que enviara para Henri quando bateram à porta... Anne levantou-se para atender... Em vez de Henri, uma senhora carregando um cesto queria saber do paradeiro da zeladora do prédio, pois precisava castrar o seu gato.
Anne explicou que a clínica se localizava no térreo e fechou a porta... É claro que a situação foi engraçada, mas ao virar-se para Paule viu que ela estava irritada com o engano cometido pela mulher... O que significava aquilo? Bater à sua porta quando aguardava ansiosamente por Henri?
Anne quis acalmá-la ao dizer que foi apenas um acaso... Sorriu e pediu para ela voltar a falar sobre o postal que enviara para Henri.
(...)
Visivelmente desanimada, Paule explicou que lhe escreveu que as pessoas diziam que ela se parecia com aquelas paisagens do cartão.
De acordo com o seu raciocínio, Henri teria entendido a mensagem como uma revelação sobre uma suposta aventura amorosa...
Anne pediu que ela explicasse sobre como havia chegado àquela conclusão... Então Paule respondeu que (“dizem que”) quando alguém compara uma mulher a uma paisagem é porque se trata de um amante.
(...)
Ela prosseguiu relatando sobre suas reflexões acerca da temporada no castelo de Belzunce e contou que enviou outro postal para Henri... Dessa vez a imagem era do parque ”com um tanque no centro”...
Para ela seu raciocínio era bem fundamentado, e destacou que a própria Anne havia lhe ensinado tempos atrás que “fontes, represas rasas e tanques” são símbolos psicanalíticos... Então (agora) estava claro! Henri deve ter entendido que ela tinha mesmo um amante... E o fato de Louis Volange ser um dos hóspedes de Belzunce devia amargurá-lo profundamente... Não era por acaso que vinha reagindo com sadismo.
(...)
Paule havia enviado recado a Henri contando-lhe aquelas suas conclusões... É por isso que o aguardava ansiosamente...
Anne sabia que o rapaz não apareceria... Pensava sobre isso e tentava avaliar a saúde mental de Paule... Era bem provável que ela também soubesse que Henri não a visitaria... Talvez por isso insistisse para que ela não fosse embora...
Ao menos por piedade (Anne pensou), Henri poderia aparecer...
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Paule se isola; Henri sofre perseguições dos ex-companheiros; Dubreuilh acena com “aposentadoria”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-uma.html antes de ler esta postagem:

Anne sabia que Paule precisava de um tratamento... Era com inegável alívio que admitia a impossibilidade de ter de lidar com a doente porque normalmente os analistas não cuidam dos casos daqueles que são muito próximos de seu convívio... Outro especialista deveria se encarregar de Paule.
Ela “escondeu-se” e não mais atendia ao telefone... Duas cartas enviadas por Anne ficaram sem resposta satisfatória... Em vez disso, a moça encaminhou recado sobre sua necessidade de permanecer sozinha por algum tempo.
Nas próximas postagens teremos mais notícias sobre o seu estado...
(...)
Nadine também parecia menos dada a aparições em grupo... Desde o seu rompimento com Lambert praticamente não trocava ideias com amigos... A exceção era Vincent, com quem eventualmente se encontrava...
Além de lidar com a redação da Vigilance, Nadine não se dedicava a nenhuma reportagem...
Robert passava o tempo ouvindo músicas... Iam ao cinema com frequência... Outro hábito que passou a cultivar foi o de colecionar discos.
(...)
Numa manhã, Anne deparou-se com um texto de Lenoir num jornal comunista... O rapaz distribuía agressividades aos ex-companheiros... Henri era dos mais atacados; Robert era o poupado.
Robert concordou que o texto contra Henri era pesado demais... Admitiu que o fato de não se tornar um anticomunista declarado (apesar de todos aqueles ataques) era digno de reconhecimento...
Anne aproveitou para reafirmar sua opinião sobre a lamentável dissensão entre ambos...
Mas Dubreuilh acrescentou que acreditava que Henri Perron estivesse satisfeito com a tiragem de L’Espoir e também com os artigos de Samazelle... E ainda havia as companhias de Trarieux e Lambert, “tipos direitistas”.
Anne argumentou que Henri talvez estivesse em situação parecida com a dele... Àquela altura nenhum dos dois era bem visto por boa parte da sociedade...
Robert admitiu que, provavelmente, aquela era uma situação que perturbava bem mais ao seu desafeto...
(...)
Apesar da teimosia do marido, Anne via que os rancores enfraqueciam. Ousou afirmar que acreditava que Henri estivesse arrependido da briga que tiveram...
(...)
Qual seria o papel do intelectual? O que pode e o que deve ser?
Essas eram questões que, segundo Robert, teriam pesado aos dois no tempo das desavenças sobre a documentação que denunciava os campos soviéticos...
Agora Robert parecia entender melhor a posição que cada um adotou por aquela ocasião... Anne sugeriu que o paradoxo que se evidenciou estava no fato de Henri, que se importava menos (do que Robert) com as posições políticas, ter adotado posição política mais escancaradamente perturbadora...
Robert concordou e disse que era provável que Henri já soubesse que “um intelectual não tem mais papel algum a representar”...
Como assim? Anne quis saber...
O marido falou em tom de desabafo que o intelectual até pode redigir, mas com o “cuidado de não dizer coisa alguma”...
Isso quer dizer que Dubreuilh se contradizia... E isso porque sempre fora um defensor da Literatura... Anne quis saber se ele não mais escreveria... Robert esclareceu que aquilo era uma questão de tempo, pois bastaria finalizar o seu “último ensaio” para não mais produzir texto algum.
Era com tristeza que ele concluía que a Literatura vinha se prestando à alienação... A busca da verdade ou a refutação do individualismo e imediatismo, que sempre foram preocupações suas, pareciam não mais caber nas reflexões da gente letrada.
Anne lembrou-o de que aqueles princípios sempre o motivaram...
Com resignação, ele continuou a afirmar que “as coisas mudaram”... Emendou que só via possibilidade de resolução a partir dos comunistas... Ideais como os que ele sempre defendeu soariam (naquele momento) como munição aos antirrevolucionários...
Era melhor silenciar... Essa era a sua conclusão.
Talvez por isso tivesse se negado a falar dos campos soviéticos de trabalho forçado... E concluiu ainda que “com a verdade não se pode vacilar”... “Ou se diz, ou não se diz”... Aquele que não se decide a dizê-la sempre é melhor não se intrometer; é melhor calar-se...
(...)
Anne entendia o marido. Ela sabia que, para ele, o “silêncio a respeito dos campos russos” havia sido muito pesado... Ela sabia (e sentia como ele) de seus remorsos sobre os sacrifícios de tantos...
Renunciando-se a escrever, punia-se.
(...)
Muita coisa havia mudado desde o natal de 1944, quando Anne ressaltava que havia “deveres intelectuais” que os vinculavam à produção escrita...
De acordo com Dubreuilh, seus livros (apesar do pouco tempo que havia se passado) seriam pouco significativos, ou até nocivos à causa da Revolução...
Quanta incoerência!
Desejava a vitória comunista e, no entanto, não conseguiria viver numa realidade controlada pelos comunistas...
Ele mesmo concluía que estava velho, e que o futuro que imaginava não era o mesmo que vislumbrara no passado... Não via “lugar para si” no mundo que haveria de surgir.
Talvez aquilo pudesse se tornar tema para o encerramento de seu livro... Não seria má ideia.
E depois de o livro finalizado? Anne quis saber.
Robert admitiu que faria o mesmo que os mais de “dois milhões de homens”, ou seja, nada mais escreveria.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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