domingo, 29 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – o caso dos três jovens do Partido Socialista de Kasai; uma análise a respeito do panorama político partidário em Gana no ano de 1961

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Ainda sobre Patrice Lumumba, Kapuscinski apresenta outros juízos: “filho do povo”; em determinados momentos, ingênuo e místico; tipo extremamente complexo; não há como defini-lo objetivamente; “incendiário caótico”; “poeta sentimental”; “político ambicioso, de alma animada”; “flexível e inflexível”... Até o fim de sua jornada manteve-se firme em seus propósitos e verdades.
O público dos bares se sentia atraído por ele... Suas convicções eram transmitidas com clareza que convencia a todos...
Para Kapuscinski, Lumumba fizera exatamente o que os poloneses esperavam de suas lideranças: entregara à sua gente uma “orientação política”. Ao tempo em que era ouvido nos comícios e bares, diziam il a raison (ele está certo)... Após a sua morte continuaram a sentenciar Oui, il a avait raison (Sim, ele tinha razão).
(...)
Na sequência, Kapuscinski faz uma análise do panorama político do Congo... Ele reservou um trecho do seu A Guerra do Futebol para apresentar algumas reflexões sobre a situação, destacando as dificuldades para uma “ação unificada” no vasto país africano.
Não eram poucos os que consideravam o Socialismo a melhor alternativa...
(...)
Certa vez, três jovens apareceram no hotel onde Kapuscinski estava instalado com os companheiros jornalistas tchecos. Eles se apresentaram como “socialistas de Kasai”.
Para Kapuscinski, o inusitado estava no fato de os tipos solicitarem dinheiro para o partido (que se resumia a eles três). O Partido Socialista de Kasai estava inteirinho naquele quarto!
Os moços recorriam aos jornalistas de países socialistas porque acreditavam que conseguiriam donativos para a sua campanha política, que consistia em subornar as autoridades de sua província...
Jarda explicou que não era com aquele tipo de expediente que o Socialismo se tornaria uma realidade... Depois falou sobre a importância de organizar as massas.
Os rapazes quiseram saber se os jornalistas notavam alguma mobilização nas ruas... E emendaram que no Congo não havia a menor condição de aglutinar os oprimidos, sempre dispersos e passivos...
Eles queriam dizer que as mudanças políticas só aconteceriam a partir da ação do “pequeno círculo de líderes”...
Quantos eram esses? Talvez uns quinhentos... A arrecadação do dinheiro se justificava na medida em que seria preciso cooptar lideranças para “dar corpo ao partido”...
(...)
Kapuscinski se pergunta que tipo de governo se estruturaria a partir de manobras como aquela... Os próprios rapazes sentenciaram que a “forma de governo” seria definida pelos que pagam.
O polonês pensou sobre os mil dólares que ainda possuía e brincou de imaginar um exercício a respeito da “republiqueta” que poderia comprar... Um absurdo... Aqueles três formavam o Partie Socialiste du Kasai, no qual desempenhavam as funções de presidente, secretário-geral e tesoureiro... Via-se que o partido contava com o velho Chevrolet estacionado à frente do hotel... O presidente era casado e era pai de duas pequenas crianças...
(...)
A estorinha é bizarra, mas de certo modo serve para ilustrar o panorama de imaturidade política que imperava em Gana. O país chegou a possuir cerca de noventa partidos! Essas são informações de Pierre Artique coletadas por Kapuscinski, que esclarece que havia 112 candidatos nas eleições de 1960... Talvez fossem uns 200... Nem dá para saber ao certo.
As sociedades europeias levaram séculos para atingir amadurecimento político... As transformações que resultaram na redução objetiva da quantidade de partidos foram lentas...
Mas em três anos o Congo havia passado por transformações intensas. Obviamente não houve o amadurecimento a que o parágrafo anterior faz referência.
A cada semana, desde 1958, mais de um partido aparecia no cenário político congolês... Kapuscinski cita o exemplo de um “Partido Popular do Congo”, que apareceu em Leopoldville e que possuía “homônimos” em Kindu, Boende e Kenge...
Após a independência eles podiam se juntar numa só agremiação, e os presidentes até se reuniram, mas a unificação “se revelou inviável”.
Unificar os partidos implicaria definir quem seria o presidente... “As massas de Kindu não conheciam o presidente de Boende, que não tinha o que dizer às massas de Kenge, que jamais fora visitada por ele”.
O povo não decidia absolutamente nada... Entre os dirigentes havia ambições e vaidades... Todos entendiam que o momento era propício para se candidatarem... Na jovem e complexa nação, todos entendiam que tinham as mesmas chances nas disputas pelo eleitorado.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Patrice Lumumba – alguns registros biográficos

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Kapuscinski escrevia maravilhosamente... Seu texto é empolgante... Ficamos encantados com a precisão com que descreve os cenários e perfis dos líderes africanos.
Todavia, para alguns, o fato de ele não apresentar (de modo tradicional) a sequência dos acontecimentos que resultaram na morte de Patrice Lumumba faz com que a leitura se torne um pouco “truncada”...
Segue breve síntese que procura contemplar também um pouco da biografia do mártir congolês:
(...)
Patrice Lumumba teve a possibilidade de frequentar escolas de missionários católicos e protestantes. Foi graças a isso que conseguiu uma formação um pouco mais qualificada do que a quase totalidade dos habitantes do Congo... É verdade que também o seu autodidatismo agregou-lhe conhecimento... Em dado momento de sua juventude assumiu um cargo de relevada importância num escritório de mineradora e também trabalhou nos Correios...
Recebeu do governo belga a certidão de “registrado”, que garantia certos direitos e o colocava numa condição social acima dos demais colonizados...
Aos poucos adquiriu uma compreensão mais ampla acerca da realidade de seu país e passou a enveredar os caminhos da política... Em 1955 matriculou-se no Partido Liberal Belga... Mas logo amargou uma detenção de um ano, acusado de fraudar os Correios.
Depois que saiu da prisão fundou o MNC (Movimento Nacional Congolês)... Como sabemos, a base do movimento era a ideia de que a união de todas as tribos poderia levar o povo à emancipação... Além disso, Lumumba havia assumido os ideais do pan-africanismo. Sua militância levou-o à prisão em 1959.
(...)
A independência do Congo deve ser entendida como resultado de uma série de pressões que os países imperialistas sofriam desde o fim da Segunda Guerra Mundial... Inglaterra e França haviam perdido vários de seus antigos territórios coloniais...
A Bélgica entendia que a possibilidade de perder o controle total do Congo era iminente... Não foi por acaso que a Conferência de Bruxelas foi convocada. Os debates sobre o futuro do Congo foram abertos.
Alguns representantes pressionaram para que livrassem Lumumba do cárcere para que pudesse participar do evento.
(...)
O dia 30 de junho de 1960 foi marcado pela solenidade de Independência da República Democrática do Congo.
Já nessa ocasião tomaram posse Joseph Kasa-Vubu, como presidente do país; e Patrice Lumumba, como primeiro-ministro (seu discurso concentra as demandas de todo povo do Congo e não esconde o seu passado de sofrimento e de luta).
A composição foi resultado de um arranjo político para contemplar as tendências que participavam do pleito... As eleições do mês anterior mostraram que não havia como não reconhecer a expressiva votação de Lumumba, que, de fato, se tornou o responsável pelo governo.
Porém mal se iniciou a administração e o governo foi abalado por uma série de rebeliões... Militares do exército sublevaram suas unidades... A mais séria foi a da rica província Katanga, onde havia um claro apoio do governo belga e de empresas mineradoras.
Enquanto o presidente vacilava em relação à situação litigiosa, Lumumba era incisivo em relação à necessária ajuda internacional... Não obtendo o socorro da ONU, aproximou-se diplomaticamente da URSS, que prestou imediato auxílio com armas, alimentos, remédios.
(...)
Pressionaram Lumumba... Quiseram conferir se o seu nacionalismo era sinal de alinhamento com os comunistas... Ele respondeu que, acima de tudo, era nacionalista africano. Mas os Estados Unidos, a Bélgica e a Inglaterra entendiam que ele representava séria ameaça ao bloco capitalista.
Kasa-Vubu depôs Lumumba... Por sua vez, Lumumba considerou ilegal a sua destituição e depôs o presidente... O senado deu-lhe um “voto de confiança”.
Mas a crise política tornou-se ainda mais aguda depois que o coronel Joseph Mobutu tomou o poder através de um golpe... Lumumba tornou-se prisioneiro em regime domiciliar, sendo vigiado e protegido por tropas da ONU.
(...)
Em dezembro de 1960 ele tentou fugir para Stanleyville... Mas foi capturado pelas forças do chefe do Estado Maior, Joseph Mobutu.
Houve várias solicitações às tropas da ONU para que o libertassem... Também a União Soviética interveio, mas nada disso adiantou.
O pior de tudo foi que no início de 1961 (17 de janeiro) enviaram Lumumba para Katanga... É certo que ele sofreu tortura! Alguns vídeos disponíveis na internet confirmam isso...
É certo que ele e outros três ex-ministros foram sumariamente executados!
Moise Tshombe, que presidia Katanga, agiu em sintonia com oficiais belgas e em acordo com interesses ingleses e norte-americanos.
Somente depois de três semanas do assassinato é que anunciaram a morte de Lumumba... Argumentaram que ele havia fugido e que alguns camponeses rebeldes o executaram.
O corpo do mártir jamais foi encontrado... Ninguém sofreu punição.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – mais a respeito das impressões de Kapuscinski sobre os bares africanos; a respeito do que se discutia nos bares; sobre os primeiros discursos e didática de Lumumba em bares do Congo; compreendendo um pouco das limitações dos compatriotas sufocados por imposições culturais

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_60.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski escreveu muito mais sobre os bares que conheceu na África...
Contou que o “Alex” era o seu ambiente preferido... Citou ainda outros nomes mais curiosos de estabelecimentos: “Por que não?”; “Vai se Perder”; “Só Você”; “Independência”; “Liberdade”; “Luta”...
O bar era como um “organismo vivo” em movimento... Principalmente quando tocavam os velhos discos de jazz... Todos conversavam porque havia assunto para tudo quanto era gosto, desde os temas bíblicos às questões políticas ou tramas passionais.
O bar era também lugar de muita boataria... E era nesse misto de “clube, loja de penhores, átrio de igreja, teatro, escola, bordel e comitê partidário” que uns definiam suas opiniões a respeito dos outros.
(...)
É claro que Lumumba também apreciava uma boa cerveja...
Ele entendeu que não podia desprezar os frequentadores de bares na discussão de seus propósitos políticos...
Bem no começo, quando não o conheciam, ele se intrometia a falar sobre coisas corriqueiras... Jamais tomava o partido de uma ou outra tribo, e dessa forma não criava confusão com quem quer que fosse bangal ou bekong.
Falava sobre o Congo durante horas... Não se fazia repetitivo e mantinha-se entusiasmado o tempo todo. O fato é que sua presença começou a mudar as atmosferas agitadas dos bares... As pessoas se calavam, paravam para ouvi-lo e refletir sobre suas palavras.
Os “ensinamentos” de Lumumba eram simples... Mas é claro que, antes deles, as pessoas comuns que frequentavam os ambientes festivos dos bares não pensavam muito sobre o Congo, sua imensidão, beleza e recursos naturais...
Lumumba dizia que tudo seria ainda melhor se houvesse união... Os belgas conseguiram impor o seu domínio graças às desavenças tribais... Ele sentenciava que a fraternidade seria uma poderosa arma contra os imperialistas.
Aos que o ouviam perguntava didaticamente: “o que é preciso mostrar aos belgas?”. Depois provocava questionando sobre o que uma tribo ganhava ao depositar cobras venenosas nas choupanas da outra... As pessoas eram realmente livres? Afinal, que vida era aquela totalmente desprovida do básico necessário à existência?
(...)
Lumumba conhecia as limitações e o modo de pensar da gente da cidade... Também ele havia nascido num vilarejo (Katakokombe) e se transferira para a cidade com a expectativa de alcançar alguma estabilidade... Ele compreendia as frustrações daquelas pessoas...
Talvez Lumumba se perguntasse: Os congoleses eram os culpados de os imperialistas exercerem domínio com suas armas poderosas e de impor-lhes seu modelo de sociedade?
Ele respeitava a confusão que afetava a cabeça de seus compatriotas...
“Geladeiras e flechas envenenadas”; “pavor que sentiam dos feiticeiros e admiração pelo Sputinik”...
Se tudo isso era muito confuso para aquele povo simples, o que dizer do claro antagonismo entre os discursos oficiais imperialistas e os dos movimentos de libertação?*

                                                           * Kapuscinski cita De Gaulle e Ferhat Abbas (líder popular da Argélia que organizou a AML – Amigos do Manifesto e da Liberdade, frente política nacionalista para a libertação da Argélia na década de 1940).

(...)
O autor explica que não foi por acaso que o governo belga enviou tropas intervencionistas (logo após o assassinato de Lumumba) com uniformes de paraquedistas... Os belgas sabiam muito bem que as populações locais se sentiam apavoradas e intimidadas perante militares vistos como “criaturas especiais” e poderosas que “caíam do céu”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a falta de recursos midiáticos fazia do contato direto com a gente do interior uma necessidade; Lumumba começou sua “pregação política” nas cidades; Kapuscinski define o que seria uma cidade como a Leopoldville da metade do século passado; agitados bares do Congo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_9.html antes de ler esta postagem:

Podemos depreender que Lumumba pensava como Gandhi... Pode ser que ele achasse necessário conhecer vilarejos e pequenas cidades... No “corpo-a-corpo” procuraria convencer a todos a respeito de suas ideias políticas... Precisaria falar porque não possuía uma imprensa ou equipes de rádio e televisão.
Há que se considerar que os meios de comunicação possuíam vínculos estreitos com os antigos colonizadores belgas... Sendo assim, de que adiantaria possuir um jornal ou uma rádio? Além disso, não eram muitas as casas que possuíam aparelhos... Os leitores eram escassos...
Os vários líderes citados na postagem anterior apresentavam-se com vestimentas típicas de seu povo... Ou então com surrados uniformes militares... Lumumba destoava porque se vestia elegantemente (camisa branca com colarinho impecável, gravata e abotoaduras)... Também seus óculos tinham armação cara... Era o típico evolué (no Congo, desde os tempos coloniais, se referia aos negros “europeizados”)...
Tudo isso o fazia destoar das populações comuns. Mas quando ele visitava os vilarejos africanos vestia-se como um elegante europeu.
(...)
Ao contrário do que se pode pensar, “Lumumba não costumava visitar muitos vilarejos”...
Ele não era um camponês... Também não era um proletário... Sua formação se dera na cidade.
No caso africano, a cidade constituía-se basicamente de “funcionários públicos pequeno-burgueses” e seus agregados... Então pode-se dizer que os que tinham a cidade como origem não conheciam bem o que vem a ser um “aglomerado de trabalhadores braçais”.
De início, a atuação de Lumumba ocorreu entre os que viviam na cidade. Mas é certo que o passado recente da maioria daquelas pessoas fosse ligado ao campesinato... Todavia não eram camponesas.
Kapuscinski registra que “uma coisa é a vida no meio da tribo”... Outra, bem diferente, é a vida na cidade... A tribo era a referência e o equilíbrio... Os que se transferiam para a cidade não tinham dela a mesma sensação...
Em Leopoldville, por exemplo, todos tinham de aprender a se virar sozinhos. Na cidade, o “egresso do campo” passava a conhecer “o patrão, o dono do apartamento, o dono da mercearia” e assim por diante...
(...)
Há pobreza na cidade... E tudo podia se resumir à constatação de que (nela) poucos se conhecem... A quantidade de pessoas a quem se deve dinheiro é sempre muito grande... A angustiada existência levava as pessoas comuns ao vício do álcool.
(...)
Kapuscinski apreciava os “ambientes etílicos” da África.
Ele apresenta algumas observações para comparar os bares do Congo... De certo modo, faz uma “análise sociológica” e explica que os homens preferiam frequentar os bares (e permanecer neles o mais que podiam) a terem de suportar suas casas, ambientes apertados, pobres e tristes... Além disso, nas casas moravam suas esposas briguentas com as crianças agitadas e habituadas a fazer xixi em qualquer canto...
(...)
Os bares ofereciam muitos outros atrativos...
Neste ponto, não há como não fazer referência à comparação que Kapuscinski faz com os bares poloneses... Inicialmente ele destaca a grande quantidade de estabelecimentos que existiam em Leopoldville... Cita o bar Lewicki (de Varsóvia) e deixa claro que em sua terra natal era muito complicado bebericar uma dose de vodca e degustar um pepino em conserva, pois isso requeria paciência para enfrentar uma longa fila*...

                                                           * Isso era muito comum nos países socialistas
                                                           da chamada “cortina de ferro”, onde o
                                                           abastecimento era sempre muito complicado.

Ele sentencia que os bares poloneses eram locais de “frequência rotativa”, pois o cliente não se sentia motivado a permanecer... Já os bares africanos eram sempre muito concorridos por pessoas que desejavam ficar por longas horas, até a alta madrugada...
Os ambientes eram festivos e tinham decoração extravagante... Estavam sempre prontos para atender a quem quisesse comemorar algo... Não faltavam cervejas e jazz que saíam de agulhas e discos desgastados...
Jovens garotas desfilavam entre os frequentadores... Elas enfeitavam suas cinturas com as tampinhas de garrafas, e estavam sempre dispostas a dançar.
(...)
Nas cidades, Lumumba fez peregrinação pelos bares.
Saberemos os motivos.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – África e a histórica “grande marcha” empreendida por lideranças como Lumumba; da sua diferente atuação em relação aos que lutavam especificamente por suas comunidades; da “tarefa hercúlea” a que se propôs

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_23.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski manifesta todo o seu encantamento com o discurso de Lumumba...
Especificamente aquela ocasião (marcada por sua morte, desolação de seus partidários, vazio das ruas e também pela audição a partir de um aparelho para fitas de rolo) fixou-se em sua memória como uma das mais especiais.
(...)
Na sequência o autor faz referências às grandes concentrações em comícios caracterizados pela presença e discursos de homens como Patrice Lumumba... Kapuscinski explica que seria preciso “ver como eles eram ouvidos na África”.
Nasser, Mkrumah, Sékou Touré... Multidões festivas e emocionadas reconheciam o momento que vivenciavam... Aplaudiam, divertiam-se e revoltavam-se...
Os comícios eram como “feriados populares”, eventos carregados de dignidade e de alegria... Momentos também consagrados pelas lideranças religiosas, pois os feiticeiros sempre se faziam presentes com seus rituais e/ou citações do Alcorão...
Nasser fazia um discurso “duro, categórico, sempre dinâmico, impulsivo e dominador”.
Touré era daqueles que fazia gracejos com a assistência... Era pelo bom humor que começava a conquistar o público.
Nkrumah adotava “ares patéticos” mesclados aos “trejeitos de pregador”, algo que incorporara desde a época em que falava “nos templos negros na América”.
E o que dizer dos encerramentos em que todos requebravam ao som de jazz?
A poeira subia às fitas coloridas embaladas pelo vento enquanto formava-se grande alvoroço provocado pelo público que tentava se aproximar dos veículos que faziam a retirada de seus líderes do evento.
(...)
Para Kapuscinski, também chama a atenção o fato de tantos nomes despontarem de uma hora para outra num continente historicamente colocado em posição de inferioridade... Quando foram exploradas pelos europeus, suas riquezas tiveram destino certo... Também os europeus são os responsáveis pelo sequestro e escravização de suas gentes...
Ocorreram muitas resistências durante todo esse processo que durou séculos... É claro! Tribos inteiras foram dizimadas... Como reconhecer os nomes dos que foram escravizados? A própria África não tinha como nomear a todos os que tombaram na defesa de sua dignidade...
No entanto, desde o final dos anos 1950 o continente parecia viver uma grande e histórica marcha... A cada ano novos personagens passavam a ser reconhecidos internacionalmente: Gamal Nasser (1956); Kwame Nkrumah (1957); Sékou Touré (1958); Patrice Lumumba (1960).
Em comum, além da contemporaneidade, esses líderes alimentaram o desejo de uma grande unidade continental e, sobretudo, que as capitais de seus países se tornassem referências pan-africanistas.
(...)
Depois, Kapuscinski volta a tratar especificamente de Lumumba...
Havia líderes congoleses que atuaram antes de Lumumba... O escritor cita Kasavubu e Bolikango, militantes que conseguiram muitos adeptos... Mas a sua causa priorizava a defesa de suas tribos sem levar em conta uma visão mais abrangente da questão, como fazia Lumumba.
Não seria possível notar a atuação de Lumumba em interação com os dois citados anteriormente... Primeiro porque ele era mais jovem... Também há que se considerar que ele amargou temporadas na prisão... Como vimos, seu projeto incluía a libertação e unificação de todo povo do Congo.
(...)
Kapuscinski conta que Lumumba tentou percorrer todo o Congo em seis meses...
O país é imenso! Para termos uma ideia, Gandhi demorou 20 anos para atravessar toda a Índia! As dificuldades em relação ao Congo se tornavam ainda mais penosas se considerarmos que o seu território era povoado por “pequenos grupos de pessoas” espalhados por savanas e selvas (a densidade demográfica era mesmo muito baixa, 6 hab/km²).
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – ocasião em que Kapuscinski ficou sabendo que Lumumba estava morto; um discurso (gravado) para comover os parlamentares; nenhum protesto nas ruas de Stanleyville

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_21.html antes de ler esta postagem:

Como Lumumba é descrito pelo livro de Kapuscinski?
Patrice Lumumba era um tipo “alto e ágil; seu rosto escuro tinha traços europeus”...
Ele caminhava por logradouros Leopoldville e refletia sobre a luta política...
Mas isso não é tudo... Ainda “ouviremos” muito a seu respeito por aqui.
(...)
O polonês explica que estava recolhido ao quarto (setembro de 1960) com seus companheiros quando Kambi entrou anunciando que Lumumba estava morto...
Kambi havia sido nomeado ministro*... De repente o chefe de governo do qual faria parte já não existia... Não havia choro ou revolta em seus gestos, simplesmente o desespero caíra sobre o seu ser... O que teria a fazer? De que modo contribuiria para recompor o partido? Sequer sabia a quem poderia recorrer!
Seu silêncio meditabundo foi interrompido quando ele mesmo sentenciou que a morte do líder só podia ter sido obra dos belgas.

                                                           * O próprio Kambi jamais vira Lumumba...
                                                            Conhecia o seu discurso... E isso era tudo.

Ele trouxe um aparelho de som que reproduzia fitas magnéticas de rolo grande... Certo Ngoy fez o equipamento funcionar... Tão logo isso ocorreu, ouviu-se o discurso de Lumumba no Parlamento... Kambi aumentou o volume para que também as ruas pudessem ouvi-lo...
Mas nas ruas de Stanleyville não havia movimentação que indicasse qualquer indignação ou protesto... Nada de tiroteio ou vingança.
(...)
Kapuscinski esclarece que a voz de Lumumba era calma... Só aos poucos, depois de iniciado o seu discurso, é que sua fala se enchia de emoção...
Com clareza, transmitia considerações sobre a situação do Congo... De repente, seu pronunciamento se tornou vibrante ao atacar as “forças de intervenção”...
A fita evidencia uma voz agressiva acompanhada de breves socos num móvel (uma estante ou mesa)...
Depois há o silêncio... Imagina-se que os que o ouviam na ocasião deviam estar bem atentos, reflexivos e paralisados...
Lumumba voltou a falar... Dessa vez parecia expressar amargura e decepção... Entre os ouvintes havia representantes das mais diversas correntes de pensamento... Mas todos o respeitaram.
(...)
A voz que saía do equipamento tornou-se pouco mais do que um sussurro... Por isso Kambi se aproximou mais dos alto-falantes.
Triste fim...
Ouvia-se o discurso, mas aquele que falava não se encontrava mais entre os viventes...
As ruas desertas podiam indicar o ocaso da nação?
(...)
Mas o que Lumumba voltava a dizer?
Kapuscinski emenda que ele parecia saber que aquela era a sua última oportunidade para convencer os congressistas... Por isso utilizava o melhor de seus argumentos... Clamava por unidade, algo que sempre o inspirou e que aspirava para o povo do Congo.
_ L’unité, l’unité...
Impossível voltar atrás... Ele insistiu que deviam avançar para, enfim, alcançar a independência... Em swahili disse “uhuru”, que significa “liberdade”...
Lumumba insistiu que não haveria liberdade, esperança, vitória e país se não houvesse firmeza daqueles que tinham importante papel político na representação das comunidades.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 21 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – soldados perversos no caminho a Stanleyville; nem mesmo Kapuscinski pode explicar o que os impulsionava a prosseguir pelas florestas do Congo; belgas e seu contato junto às remotas tribos do país; o rei Mani e seu sectarismo tribal; Lumumba e sua mensagem de paz e união

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_20.html antes de ler esta postagem:

Estamos neste ponto em que Kapuscinski, Jarda e Prowaznik se dirigiam para Stanleyville num velho e grande Ford... O sargento Serafin os acompanhava desde Aba.
A estrada de terra não facilitava a missão... Muitos trechos alagados atolavam o carro, e isso atrasava a viagem... A misteriosa floresta fechada era a única paisagem a ser percorrida.
(...)
Tiveram de passar por vários postos de vigilância e controle... Muitas patrulhas estavam visivelmente “largadas” e sem comando... Era notório que alguns gendarmes passavam o dia se embriagando... A fome também reinava entre eles.
Kapuscinski não deixa de manifestar a sua indignação... Aqueles tipos uniformizados pertenciam ao exército rebelde, que havia assumido o controle do país, estavam cometendo saques e estupros.
Os três jornalistas ficavam apavorados sempre que chegavam a um dos postos... Eles decidiram que nessas situações Serafin tinha de sair do carro para lidar com os soldados...
Aconteciam situações em que o sargento era abraçado pela guarda... Mas também houve ocasiões em que ele era recebido com agressões verbais, bofetadas e coronhadas...
Não havia como garantir que chegariam ao seu destino... O próprio Kapuscinski comenta que ao passar por aquelas experiências não sabia o que ao certo os impulsionava para adiante (“estupidez e falta de imaginação, ou paixão, ambição, leviandade? Uma obrigação autoimposta, esquisitice ou algum sentimento de honra?”)...
Mas eles sabiam que, quanto mais avançavam pela estrada, mais dificuldades teriam para retornar.
O fato é que depois de dois dias de cansativa viagem chegaram a Stanleyville.
(...)
Os registros do jornalista polonês foram feitos no “calor da hora”... Evidentemente ele não conhecia os documentos que apenas recentemente foram revelados ao mundo... Eles dizem respeito às manobras de grandes potências imperialistas interessadas no fracasso do povo africano, especialmente no que concerne às possibilidades de sua aproximação em relação à antiga URSS.
Eventualmente podemos achar que, para Kapuscinski, os conturbados episódios dos tempos das lutas de independência se relacionassem muito mais ao despreparo dos povos e aos equívocos das lideranças (suas paixões e antagonismos exacerbados).
(...)
Depois de narrar a respeito da complicada viagem até Stanleyville, Kapuscinski apresenta registros sobre Patrice Lumumba...
Mas ele não faz isso a partir de dados biográficos sequenciais que podem sugerir um quadro completo da existência desse significativo personagem da história africana.
O livro apresenta-nos Lumumba a partir de depoimentos coletados junto a pessoas simples, que ouviram suas propostas para a construção de um novo Congo. Não há como notar que ele comungava dos ideais do pan-africanismo.
É preciso algum esforço para que sejamos transportados a longínquos povoados localizados no meio de densas florestas.
(...)
Vemos Lumumba percorrendo os povoados tribais...
Aquelas pessoas simples estavam acostumadas a receber forasteiros...
Os belgas sempre apareciam comunicando a respeito de impostos que deviam ser pagos e do necessário recrutamento de mão-de-obra para o trabalho em obras públicas.
Pelo menos na localidade habitada pelos bangis evidenciada por Kapuscinski, além dos brancos, algumas vezes o rei tribal Mani aparecia com suas muitas pulseiras e colares... Era certo que ele não exercia poder, mas vivia insistindo que os bangis um dia se vingariam dos angras, tribo que os havia expulsado das margens do Rio Aruwimi, de onde tiravam o seu sustento.
Lumumba não podia ser comparado a esses citados anteriormente... Ele chegava à localidade com um pequeno grupo, que conseguia “preparar o terreno”... As pessoas sempre acabavam reunidas na praça para ouvi-lo...
Ele dizia que as tribos não estavam sós... E que elas não deviam exigir exclusividade no Congo... Lumumba falava de uma “Nation Congolaise”, e isso significava que todos deveriam considerar os demais como irmãos.
Ao final de suas considerações, ele sempre queria saber se alguém tinha algo a perguntar...
As pessoas não eram afeitas àquela proposta, sobretudo porque se acostumaram a ver os que ousavam falar (aos forasteiros) sofrendo admoestações e represálias físicas.
Mas Lumumba tinha tanto a dizer que mal se apresentava... Não é improvável que perguntassem o seu nome nos momentos em que se despedia da comunidade visitada.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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