Os três sinais da campainha soaram... Os tipos que conhecia estavam na plateia... No palco, Josette encenava o seu texto e nele percorria (com o belo vestido Amaryllis) a “aldeia calcinada e sufocada pelas vozes alemãs”...
(...)
Uma dona que estava numa das fileiras de destaque se retirou com o seu
rico chapéu ao mesmo tempo em que sentenciava não suportar mais “aqueles
horrores”... Gritos, vaias e aplausos eram manifestados pelo público... Henri
conseguia notar a indecisão de Josette... Ao avistá-lo, a moça encheu-se de
coragem e retornou ao texto com desenvoltura...
Para Henri, mais do que
assistir à encenação, o público estava ali para “proferir um veredicto”... De
vez em quando conseguia ouvir novos gritos de “é uma vergonha”... É claro que
ele mesmo não podia interferir, não podia defender-se ou defender a querida
Josette... Talvez quisessem acuá-lo com gritos de “culpado!”.
O pano desceu... Fim do primeiro ato... Vaias foram
ouvidas em meio ao grande aplauso... O autor se retirou para o escritório de
Vernon.
(...)
Henri buscava o isolamento para suas reflexões, mas logo a porta se
abriu... Era Paule, que se achava no direito de trocar umas palavras... Mais
uma vez ele notou a mudança em sua “ex”... Ela estava muito elegante. Disse que
a primeira parte havia sido um “bonito escândalo” e garantiu que ele mesmo
deveria estar deslumbrado...
Paule acrescentou que a mulher que tinha se retirado
era uma suíça que durante a guerra havia permanecido em Genebra... Disse também
que Huguette Volange teria desmaiado, e que o marido estava muito pálido...
Cogitou que Louis talvez não suportasse o sucesso de Henri... Robert e Anne
estavam encantados com a peça...
Henri ouviu com atenção as observações de Paule. Depois disse que seria
normal se os que aplaudiram o primeiro ato despejassem vaias na sequência.
(...)
O segundo ato teve início... Veio a cena do incêndio na igreja em que
homens padeceram queimados; a personagem vivida por Josette traiu o marido que
ela tanto amava...
Escondido da luz, Henri contemplou o público enquanto pensava sobre as
emoções que ele estava provocando... Covas surgiram na “aldeia esquelética”;
discursos; som de fanfarras; viúvas em seus trajes enegrecidos... Acusariam
Henri de desrespeitar os mortos?
(...)
Ele se expôs em sua peça teatral... Mas não vemos semelhanças entre o
que é descrito e os episódios que Henri, Anne e Robert vivenciaram no Vercors
enquanto pedalavam pelas montanhas?
A sinceridade daquele que
escreve é “tão escandalosa como as crianças”... O autor “mente do mesmo modo
que elas e, do mesmo modo, cada um receia, secretamente, ser um monstro”.
(...)
Incontáveis apertos de mãos... O sucesso tornou-se realidade.
Henri dirigiu-se ao
restaurante. A empolgada Lucie Belhomme só tinha palavras para exaltações (“triunfo”)...
A mulher não cabia em si de tanta alegria pela excelente apresentação da filha.
Fazia questão de dizer que o vestido vermelho (da Amaryllis, é claro) fez a
diferença... Josette protestava ao garantir que a tesoura selaria o destino do
figurino... Indignada, Lulu exclamou que a “marca da casa” estava naquela
preciosidade apreciada por todos...
Henri interveio dizendo que Josette era a estrela da peça... Ao notar
que ele se esquivava dos flashes, Lucie o barrou e pediu para que fosse
bonzinho, pois a filha precisava de publicidade.
Mais sobre essa celebração nas próximas
postagens.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto