segunda-feira, 28 de abril de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – perseguições ao autor de “Críticas do hospital psiquiátrico”; repercussão na imprensa e fim de sindicância; visita de Basaglia aos hospitais psiquiátricos de Minas Gerais; Antônio S. Simone visita o Colônia com Franco Basaglia, que chama o local de “campo de concentração nazista”; reestruturação da assistência psiquiátrica

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/04/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_28.html antes de ler esta postagem:

Na verdade, a classe médica se sentiu muito incomodada pela repercussão dos juízos de Barreto, que não se cansava de afirmar que as faculdades de medicina eram abastecidas “por generosa quota de cadáveres provenientes de Barbacena”, que os hospitais públicos para “crônicos” eram “instituições finais” (como a “solução final” nazista), e que a realidade dos hospitais psiquiátricos apresentava-se banal porque havia uma acomodação daqueles que podiam exercer reivindicações.
A repercussão do trabalho de Barreto na grande imprensa mineira fez com que a sindicância contra ele fosse arquivada.
(...)
!979 foi o ano da visita de Franco Basaglia a o Brasil (mais sobre isso em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/04/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_11.html). Ele veio exatamente para realizar visitas aos manicômios locais. Antônio Soares Simone, médico psiquiatra que à época contava vinte e oito anos, aproveitou para convidar o italiano para conhecer o Instituto Raul Soares e o Hospital Galba Veloso, os dois em Belo Horizonte, e também o Colônia, em Barbacena.
(...)
Antônio Soares conhecia o Colônia de longa data e disse a Basaglia que não entendia o silêncio dos médicos em relação ao que ocorria em Barbacena... Eles nem procuravam saber onde eram “fabricados os cadáveres que alimentavam as salas de anatomia das faculdades”!
Foi o próprio Simone quem fez o transporte de Basaglia até Barbacena... E é ele mesmo que garante que o psiquiatra italiano ficou atônito após conhecer o Colônia e que, depois, permaneceu em silêncio na viagem de volta à capital...
Após ter proferido sua conferência na Associação Médica Mineira, Franco Basaglia pediu que Simone convocasse a imprensa para uma coletiva. Foi então que a autoridade italiana manifestou ter estado “num campo de concentração nazista” e que em nenhum lugar do mundo havia presenciado tragédia semelhante à verificada no Colônia.
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As declarações de Basaglia atraíram a atenção da imprensa mundial, inclusive o New York Times... Por outro lado, Simone tornou-se perseguido e foi processado pelos hospitais... Até mesmo o seu diploma foi ameaçado.
Mas ele garante que todo o sacrifício foi recompensado, pois contribuiu para colocar um “fim à fábrica de cadáveres e ao grande sofrimento humano em Barbacena”.
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A Associação Mineira de Saúde Mental, fundada pelo psiquiatra Ronaldo Simões, ganhou muita força depois da visita de Basaglia ao Brasil... Muitos se animaram e se tornaram “militantes basiglianos”. Esse foi o caso de Paulo Henrique R. Alves, que “transmitiu os conceitos de humanização para seus alunos” da UFMG...
Em 1980 a Fhemig (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais) aprovou o Projeto de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, consonante com o III Congresso Mineiro de Psiquiatria... Graças a isso, “os porões da loucura, finalmente, começaram a ser abertos”.
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Ocorreram mudanças nos vários hospitais, inclusive no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (o Colônia).
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – mais sobre Ronaldo Simões e sua luta pela desospitalização; Francisco Barreto, seu acesso ao colônia; “Críticas do hospital psiquiátrico” e perseguições

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No processo de transformação da realidade de instituições como o Colônia, Ronaldo Simões Coelho, o psiquiatra que acompanhou Foucault em sua visita a Minas Gerais em 1973, foi um batalhador.
Mesmo antes da passagem de Foucault pelo estado, Simões já era conhecido pela ousadia de ter apresentado um projeto de extinção do hospital de Barbacena e a sua transformação em “campus avançado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)”... Depois da visita do filósofo francês, suas convicções tornaram-se ainda mais sólidas.
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Durante o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, realizado no final da década de 1970, Simões fez denúncias veementes contra a situação em Barbacena.Suas palavras expressavam a verdade (que no Colônia havia um  psiquiatra para cada 400 pacientes; que os alimentos eram servidos em cochos e os internos só conseguiam se alimentar se avançavam como animais sobre a ração; que uma vez internada, a pessoa deixava de ser gente; que andavam nus e se alimentavam de excrementos; que não era permitido protestar contra aquele estado de coisas) e, por causa delas, Simões perdeu o posto de chefe do Serviço Psiquiátrico da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig)...
Apesar da perseguição que sofreu, aos poucos, outras vozes se juntaram às dele... Francisco Paes Barreto foi um dos que conheceram o Colônia e que clamou por mudanças.
(...)
Em 1965, Barreto estava no último ano de Medicina na universidade, quando foi convidado por Jorge Paprocki (conceituado psiquiatra que conduzia pesquisas sobre antipsicóticos no país) para a realização de alguns testes...
Acontece que uma droga injetável de ação prolongada (Anatensol Depot) estava em processo final de elaboração pelo laboratório Bristol-Myers Squibb e precisava ser avaliado.
O Colônia se constituía em ambiente privilegiado para esse tipo de ensaio... Logo no primeiro dia, Barreto perguntou se ali eram criados porcos... A repugnância tomou conta do jovem, que contava vinte e dois anos. Ele não podia conceber a ideia de que aquele hospital pudesse se destinar à degradação humana... O rapaz chegou a chorar de indignação.
No ano seguinte, já formado, Barreto não se aquietou e fez denúncias contra o que havia visto... Em 1972 ele escreveu Críticas do hospital psiquiátrico, um artigo em que aponta denúncias contra os hospitais de seu estado. O documento foi apresentado no Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Em 1979 o Conselho Regional de Medicina determinou uma sindicância contra Barreto por considerar que seu artigo feria a ética médica.
Mais sobre as pressões sofridas por Barreto na próxima postagem.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 26 de abril de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – Foucault no Brasil; visita a Minas Gerais; Ronaldo Simões e sua luta pela desospitalização; trip pelas cidades históricas

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O filósofo e professor Michel Foucault esteve no Brasil em algumas oportunidades. Vinha para ministrar cursos e palestras. Há muitos relatos sobre suas estadias em nosso país, alguns deles bem polêmicos, e sobre a repercussão das palavras do autor de História da Loucura nos meios acadêmicos (notadamente na USP) desde a década de 1960.
Em 1975, por ocasião da morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências de quartel do exército, Foucault interrompeu o curso que ministrava em protesto aos atos de tortura e assassinatos cometidos pela ditadura militar.
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Em 1973, Foucault esteve no Rio de Janeiro, onde falou a universitários entre 21 e 25 de maio... Depois dirigiu-se a Minas Gerais para visitar hospitais psiquiátricos e realizar conferências. A visita que fez a Belo Horizonte possibilitou-lhe contatos com jovens estudantes e médicos psiquiatras indignados com as formas de tratamento que se dispensavam aos internados em hospitais de todo o estado.
Ronaldo Simões Coelho, psiquiatra natural da histórica cidade de São João del-Rei, foi um dos que se aproximaram do filósofo. Desde a época de estudante, Ronaldo já se mostrava contrário às formas desumanas de tratamento verificadas nas instituições psiquiátricas de Minas Gerais...

                                                                                  Holocausto Brasileiro registra um episódio de “sequestro” de oitenta e quatro pacientes que foram transferidos do Hospital Raul Soares ao Colônia à revelia de médicos e familiares. Esse acontecimento fez de Ronaldo Simões um ativo defensor da desospitalização para melhorar o atendimento e evitar a segregação.

Ronaldo era Supervisor de Psiquiatria do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social)...
No ano anterior ao da visita de Foucault a Minas Gerais, ele pôde testemunhar várias violações aos direitos básicos às pessoas em tratamento psiquiátrico, desde o descaso de funcionários até a falta de estrutura física mínima nos hospitais. Numa inspeção que realizou ao Hospital Galba Veloso, o médico fez questão de demonstrar toda a sua indignação em relação ao que viu e ouviu. A sua coerência o fez respeitado nos meios acadêmicos e médicos, e também pela imprensa. Não foi por acaso que Simões se tornou guia de Foucault em sua visita a Minas Gerais e participou de todas as suas palestras.
Arbex registra ainda as participações de Helley Bessa e Emilio Grinbaum (Bessa era um dos grandes “defensores da humanização na psiquiatria brasileira”; Grinbaum, “o pioneiro da Medicina Psicossomática”) na palestra ministrada por Foucault na Casa de Saúde Santa Clara.
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Foucault era um tipo muito acessível... A Simões declarou sua satisfação em visitar o Brasil, onde havia estudantes sérios e muito interessados pelo saber e por mudanças no tratamento psiquiátrico. O psiquiatra brasileiro convidou o intelectual francês para uma viagem de cinco dias pelas históricas cidades do sul de Minas Gerais (Congonhas, Tiradentes, São João del-Rei, Mariana e Ouro Preto).
Daniel Defert, que já era companheiro de Foucault há mais de 10 anos, e Célio Garcia  (professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais) também participaram da trip.
Ronaldo Simões lembra que seguiram numa rural (veículo espaçoso e muito utilizado por sitiantes nas décadas de 1960 e 1970) cedido Pela Secretaria da Saúde de Minas Gerais, e que Foucault não deixava de apreciar a cachaça mineira acondicionada por Célio Garcia num odre... O filósofo mostrou-se curioso por tudo o que viu, não deixava de perguntar o significado das representações mineiras nos monumentos, arquitetura, afrescos e esculturas, e não perdia a oportunidade de falar sobre os significados que se atribuíam na Europa para representações similares.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 25 de abril de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – outubro de 2011: o emocionante reencontro de João Bosco com a mãe

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Os companheiros de João Bosco tanto se esforçaram que acabaram encontrando dona Geralda... Ela estava vivendo no bairro Santo Antônio, em Barbacena. Quem a visitou foi Sérgio Luiz, “suboficial da banda da EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar), de Barbacena”... Os bombeiros de Belo Horizonte o contataram na esperança de que a encontrasse.
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Não foi fácil tranquilizar dona Geralda logo que ela ficou sabendo que o motivo da visita era o filho que não via há mais de quarenta anos... Os amigos de João Bosco queriam presenteá-lo por ocasião de seu aniversário proporcionando o encontro com a mãe.
Aos poucos, a mulher conseguiu refletir sobre o que havia acontecido ao filho... Conversando com o rapaz, ficou sabendo que João Bosco era um oficial do Corpo de Bombeiros, que estava em Belo Horizonte e que em breve poderiam se reencontrar.
Depois de algum tempo, a felicidade invadiu o coração de dona Geralda, que não tinha palavras para agradecer Sérgio... Ele ainda acertou alguns detalhes a respeito de uma nova visita e sobre a viagem a Belo Horizonte...
O moço se foi... Dona Geralda telefonou para o filho Décio... Muito emocionada, ela relatou o que acabara de ocorrer. Décio também se sensibilizou e garantiu que também queria participar do encontro com o irmão.
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Então fizeram uma surpresa para João Bosco.
Na manhã de 21 de outubro de 2011, uma sexta-feira, dia em que completava 45 anos de idade, ele foi convocado por Edson A. Franco, o comandante do Corpo de Bombeiros... O caminho que percorreu até o salão nobre da corporação foi de indagações sobre por que teria sido chamado... Não podia ser nada relacionado à banda, que estava indo muito bem...
Ao chegar, deparou-se com os músicos devidamente uniformizados e manipulando máquinas fotográficas e filmadoras... Antes que pudesse perguntar algo, um telão começou a projetar imagens que faziam referência à sua vida... As fotografias digitalizadas mudavam enquanto uma narração elucidava fatos do passado de João Bosco... Ele via e ouvia tudo com atenção e, assim, recordou os tempos do Patronato Padre Cunha e também da época em que começou a tocar na banda da Febem em Antônio Carlos.
Em meio a tantos eventos marcados pelo esforço e pela superação do chefe da banda, anunciou-se o nome de sua mãe... E neste ponto da reunião dona Geralda apareceu para abraçar o filho...
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Sem dúvida, um encontro emocionante...
Uma longa separação não suprime o amor entre mãe e filho... O gigante João Bosco desabou perante a pequena dona Geralda... Em seus pensamentos apenas uma convicção: “nunca mais ficaria sozinho”.
(...)
Então é isso.
Resta bem pouco a se registrar sobre a leitura de Holocausto Brasileiro.
Para as próximas postagens, vale destacar as visitas de Michel Foucault e de Franco Basaglia ao Brasil para discussões sobre o tratamento psiquiátrico, as condições degradantes e métodos desumanos dos institutos locais.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – o tempo de internação na Febem; uma vida de superação; encontro com a música; ingresso no Corpo de Bombeiros e na banda militar; reencontro improvável?

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A Febem era um ambiente complicado... Ela acolhia órfãos e menores abandonados por suas famílias desde o começo de suas vidas... Não podemos dizer que esse contingente oferecesse resistências à disciplina imposta pela instituição. Mas entre os internos havia também delinquentes com um histórico de ações muito violentas.
Assim, não é de se estranhar que adolescentes como o João Bosco em 1979 se sentissem receosos ao ingressarem na unidade de Antônio Carlos. Ele nunca se esqueceu das palavras do diretor de sua época, Benjamin Fullin, que fazia questão de deixar claro que seu trabalho consistia na formação de homens de bem, e não de bandidos... Isso dependia em grande parte do próprio interno... Era uma opção que cada um devia fazer.
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Felizmente, o rapaz soube avaliar as oportunidades oferecidas (havia cursos de mecânica e outros para formar eletricistas, garçons e chefes de cozinha) e aproveitou a oportunidade que surgiu na banda da instituição, comandada pelo maestro Nadir. Logo de início, porém, João ficou decepcionado ao ser escalado para tocar tuba... Ele lembra que na primeira visita que pôde fazer à irmã Dita, pretendia desabafar a respeito desse seu descontentamento.
Aconteceu que ao chegar ao internato onde viveu até os treze anos, deparou-se com José Lauro (panificador que colaborava com a instituição de Pinheiro Grosso) que também estava de visita à irmã Dita. O homem antecipou-se fazendo elogios à Febem de Antônio Carlos, sobretudo à sua reconhecida banda... Disse isso ressaltando que ele próprio gostaria de ser um instrumentista e que a tuba era o seu instrumento preferido, pois ela desempenha “papel fundamental no suporte harmônico”.   É claro que essas palavras deixaram o rapaz desconcertado... O encontro serviu para confirmar que ele estava no caminho certo.
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Também na Febem havia funcionários inescrupulosos que viviam a atormentar os rapazes com aliciamentos sexuais... O próprio João Bosco revela que teve de rechaçar um tipo que trabalhava no almoxarifado, que investiu contra ele em certa ocasião.
Mas isso também foi superado e João Bosco cumpriu seu tempo de Febem com dignidade. Às vésperas de completar os dezoito anos, e de deixar a instituição de Antônio Carlos, prestou concurso para a Polícia Militar do estado. Embora tenha sido aprovado, não pôde ingressar porque não tinha a idade mínima exigida por estatuto. A Febem permitiu que ele permanecesse até os 20 anos, quando ele e outros egressos da unidade foram aprovados em novo concurso.
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Junto com os colegas aprovados, partiu para o quartel do 2º Batalhão de Bombeiros, na cidade de Contagem... O começo não foi dos mais fáceis para eles. Foi o diretor João R. C. Matta que os apoiou até que recebessem o primeiro salário... Dois anos se passaram e, já formados no 2º Batalhão, resolveram se candidatar ao 1º Batalhão de Bombeiros da capital, onde pretendiam substituir os antigos músicos da banda da corporação.Durante os sete anos seguintes, João Bosco morou no quartel e se alojou no depósito onde os instrumentos musicais eram acondicionados. Outros três colegas dividiam a instalação com ele... Aos finais de semana, enquanto eles se dirigiam às suas cidades de origem para visitar parentes, João permanecia em meio aos livros.
Em frente ao quartel morava o escritor Roberto Drummond... Um dia os dois se encontraram numa banca de jornal... João saiu da conversa com o intelectual levando a indicação da leitura de um livro de Albert Camus, O Primeiro Homem... Essa referência talvez revele a influência que o levou a se matricular no curso de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (2005).
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Os anos passaram... João Bosco permaneceu nos bombeiros, se tornou subtenente e chefe da banda. Casou-se, separou-se, e casou-se novamente aos quarenta e cinco anos... Nessa mesma época (2011) tornou-se pai e, sem que soubesse, os músicos da banda, apoiados pelo comandante Edson Alves Franco, planejaram encontrar dona Geralda.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 24 de abril de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – monitores e os abusos contra os internos do Padre Cunha; João Bosco é transferido para a Febem; Geralda tornou-se mãe de mais três crianças; sua luta não tem fim e passa a ser ainda mais sofrida após a morte do marido

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São as recordações do João Bosco adulto que permitem resgatar alguns dramas que os meninos do internato Padre Cunha enfrentaram nos anos 1970...
(...)
Havia um funcionário que era como que um monitor dos garotos... O nome dele era Roberto, um tipo que abusava da bebida e, normalmente por causa dela, também dos maus tratos aos internos.Aquele que fazia xixi na cama sempre sofria humilhações e tinha de ficar a noite inteira sob o chuveiro frio... O algoz gostava de torturar suas vítimas dizendo que cortaria o pênis dos que continuassem a “molhar a cama”...João Bosco não gostava desse Roberto e cansou-se de suas maquinações. A maldade do funcionário não tinha limites e, para termos uma ideia, ele gostava de enfileirar os meninos de mãos dadas e provocar um choque coletivo para que estatelassem no chão.
Certa vez João Bosco protestou e o monitor acabou ferindo o seu rosto com uma vara... O menino não teve dúvida e dirigiu-se imediatamente às madres, que estavam na capela... O tipo seguiu atrás dele, mas a irmã Dita quis ouvir o que João tinha a dizer.
Depois de conhecer as reclamações de João, a madre ficou mais atenta até confirmar que o funcionário representava mesmo perigo às crianças. Roberto foi demitido e para o seu lugar foi contratado um tipo simpático, que conquistou a confiança das religiosas.
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O novo monitor se chamava Rodrigues, era filho de italianos e tinha acabado de sair do exército... O que os meninos não aprovavam em sua conduta era o contato muito próximo, que ele parecia gostar de manter... De fato, os internos começaram a se afastar dele. Vários meninos reclamaram do assédio que sofriam do tipo durante as noites... Um deles teve a ideia de dormir com um cutelo para se defender no caso de ser atacado pelo malfeitor...
João Bosco chegou a articular um plano com outros dois companheiros. Sua ideia consistia em derrubar uma parede sobre o monitor... Fariam isso durante a noite com um trator de esteiras que estava a serviço do asfaltamento da estrada que chegava ao internato... Aprenderam a conduzir a máquina, mas ao se aproximarem de seu intento desistiram da ideia... Apesar disso, a ação dos meninos chamou a atenção das religiosas...
Rodrigues acabou demitido e denunciado, porém se livrou de qualquer complicação com a justiça... Holocausto Brasileiro destaca que aqueles eram tempos em que crimes contra as crianças eram acobertados.
Quando completou 13 anos, João Bosco (com outros sete internos do Padre Cunha) teve de se mudar para o município de Antônio Carlos, onde viveria na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). Haviam se passado 14 anos desde que o separaram de sua mãe.
(...)
Um ano depois de ter sido expulsa do Colônia, Geralda casou-se e teve mais três filhos (Décio, Dirceu e Elaine). Naturalmente sua angústia em relação à falta de notícias sobre João era uma constante em sua vida... É bem verdade que numa oportunidade chegou a visitar o patronato... Mas ela não se sentia segura em relação às freiras que a afastaram do próprio filho e, sem dinheiro, não tinha como visita-lo outras vezes. Seus pensamentos se tornaram mais pesarosos quando ouviu que João Bosco havia sido transferido para a Febem... Muitas dúvidas a torturaram e a pior de todas era a sua incerteza sobre a sobrevivência do filho no novo internato. Pensava mesmo que ele poderia morrer na Febem.
(...)
O marido de Geraldo faleceu... Então, ela teve de dar conta de sustentar as três crianças sozinha. Tornou-se ainda mais debilitada e trabalhou em casas de família. Não foram poucas as vezes em que conseguiu matar a fome dos filhos com as sobras de comida que as patroas davam a ela.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – Geralda e o filho João são violentamente separados; o internato Padre Cunha, carências do lugar e dedicação das religiosas na formação dos meninos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/04/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_23.html antes de ler esta postagem:

Estamos acompanhando os episódios que marcaram a vida de dona Geralda, natural de Coroaci. Órfã desde a primeira infância, ela passou por difíceis situações... Foi encaminhada para o município de Virginópolis, onde trabalhou como doméstica para a família de um advogado. Vimos que o tipo, além de explorá-la no trabalho da casa, abusou de sua inocência e violentou-a sexualmente.
Para esconder o escândalo provocado, internaram Geralda no Colônia. Foi no hospício de Barbacena que ela deu à luz o menino João Bosco.
Por algum tempo ela pôde permanecer junto ao filho.
(...)
Dois anos se passaram e as religiosas obrigaram Geralda a sair do Colônia... Exigiram que ela desse prosseguimento à própria vida e que se sustentasse com um trabalho regular numa casa de família, pois ela já possuía experiência. Garantiram que, aos finais de semana, poderia visitar o filho. O menino cresceria amparado pelas freiras.
E foi isso o que ocorreu... Enquanto trabalhava numa casa de família durante a semana, Geralda enchia-se de saudade do filho que visitava aos domingos. Seu desejo passou a ser o de conseguir mais trabalho para ter condições de alugar uma casa simples, onde conviveria com aquele que lhe era mais precioso na vida.
Quando João completou três anos, porém, a esperança de Geralda foi sufocada. Num dos dias de visitação não o encontrou. Chamou-o por diversas vezes, até que uma das religiosas a informou que o menino havia sido levado para bem longe. Sua reação foi histérica... Gritou desesperada e agitou-se desvairadamente. Os seguranças foram acionados e eles procederam como normalmente faziam nesses casos: levaram-na para outro pavilhão e aplicaram-lhe choques elétricos.
Geralda deixou o Colônia arrasada. Proibiram-na de retornar sob a ameaça de não a deixarem sair novamente. Tinha apenas 18 anos, mas o seu estado era o de uma pessoa envelhecida.
(...)
Neste ponto é preciso esclarecer o que ocorreu com o pequeno João Bosco. Ele foi enviado à instituição Patronato Padre Cunha, localizada no distrito de Pinheiro Grosso (também no estado de Minas Gerais). Era a muito custo que freiras mantinham o abrigo, que acolhia cerca de cem crianças (desde recém-nascidas até as de treze anos).
Holocausto Brasileiro destaca um episódio da vida João quando este contava oito anos. Nota-se que o ambiente era satisfatório para os órfãos atendidos. O relato permite concluir que isso se dava pela dedicação das religiosas que trabalhavam lá. Há referência à irmã Rosa, de ascendência polonesa, que se esmerava em sua missão junto às crianças e contava com o reconhecimento de todas elas...
Era tudo muito simples e havia carências materiais diversas, mas, “mesmo pobre de recursos, o patronato era sinônimo de lar”.
João Bosco tem recordações positivas do ambiente onde cresceu e das religiosas que participaram de sua formação... Elas foram como que mães para muitas crianças que, de outra forma, estariam abandonadas pelas ruas.
No Patronato Padre Cunha havia divisão de tarefas e tudo era comunitário. João Bosco se recorda de irmã Dita, que lhe dava conselhos e sanava várias de suas dúvidas. Foi ela que, percebendo que o menino não se identificava com o trabalho na roça, deu um jeito para que ele cuidasse dos menores para que aprendesse a noção de responsabilidade com o próximo... É claro que também havia as ocasiões de punição, mas também elas são motivos de boas recordações.
(...)
Por volta dos onze anos de idade, o menino João Bosco começou a questionar os motivos de ninguém visitá-lo no internato enquanto que outros garotos recebiam parentes devotados... Além dos pensamentos intrigantes que passaram a perturbá-lo, na mesma época a instituição passou por mudanças que resultaram em ameaças à integridade das crianças e adolescentes.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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