quinta-feira, 31 de outubro de 2013

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – um pouco sobre o Vercors e a resistência; os comensais falam de seus mortos; em Vassieux, paraquedistas alemães e incêndio; grande cemitério e mais narrativas; Anne passa mal e os amigos se retiram para longe da festa; “já que eram vivos, precisavam viver”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_30.html antes de ler esta postagem:

Sobre as montanhas do Vercors é bom que se saiba que se trata de uma bela região alpina (faz divisa com a Itália e a Suíça)... De fato, as localidades citadas em Os Mandarins foram palco de atuação da resistência francesa e do massacre que seus militantes sofreram de tropas nazistas (e também da milícia pró Vichy)...
Desde o início da ocupação alemã em 1940 os “maquisards” se reuniram na fronteira para resistir e realizar “pequenos combates” contra os invasores. Na véspera do desembarque aliado à Normandia (6/6/1944) os habitantes da região foram conclamados (inclusive por De Gaulle a partir da BBC) a se armarem para iniciar um levante que evidentemente tumultuaria a posição dos aliados de Hitler... O confronto no Vercors teve duração de aproximadamente um mês, resultou na vitória dos nazistas e morte de 840 patriotas (201 eram civis)...
Há o Parque com Memorial aos Heróis da Resistência no Vercors. Ele foi criado em 1970 e abriga o cemitério repleto de cruzes brancas dos mártires.
Esta postagem também é uma singela homenagem àqueles homens e mulheres que colocaram o ideal de liberdade para todos acima da própria existência... Decidi anexar essas duas imagens (retiradas hoje de http://en.wikipedia.org/wiki/Maquis_du_Vercors).


(...)

Estamos no ponto em que Anne, Henri e Robert resolveram permanecer na aldeia calcinada. Os soldados haviam prestado sua homenagem aos mortos locais e se retiraram, enquanto que o povaréu se ajeitou para comer e beber em memória dos parentes que se foram... Henri recordou-se dos enterros de sua infância no interior... Mas ali participavam de uma cerimônia com “centenas de viúvas, órfãos e pais enlutados”... O cenário se tornava mais degradante devido ao insuportável calor.
(...)
Um tipo passou uma garrafa de vinho a Henri e pediu-lhe que desse de beber à mulher dos tersóis. Explicou que se tratava da “viúva do enforcado de Saint-Denis”... Os comensais falavam dos seus mortos e sobre o marido da viúva. Eles queriam saber se se tratava do “enforcado pelos pés”... Não! O marido dela era um que não possuía olhos...
Perron entregou o copo de vinho à infeliz enquanto procurava saber a respeito da tragédia que se abatera sobre aquela gente... Então ouviu que cerca de quatrocentos paraquedistas alemães incendiaram Vassieux e causaram terror aos camponeses... A grande quantidade de mortos resultou naquela comoção e reconhecimento dos militares... Por isso Vassieux tinha “direito ao grande cemitério”...
Os tipos continuaram a falar de sua desgraça e a se conhecerem melhor... Não é difícil perceber que alguns mártires eram mais falados do que outros, e logo os seus parentes apareciam para relembrar os horrores... Falavam e bebiam vinho... “Em Saint-Roch, os alemães haviam encerrado na igreja homens e mulheres, na qual puseram fogo. Então permitiram que as mulheres saíssem; e houve duas que não tinham saído”.
Anne não suportou as narrativas, o calor e a terrível condição dos comensais... Tornou-se pálida e sentiu intolerável mal-estar estomacal. Retirou-se e foi seguida pelo marido. Não foi somente o vinho que lhe fizera mal, mas também o cansaço e o calor que enfrentavam... Decidiram procurar um local onde ela pudesse se recuperar...
Os três amigos pegaram as bicicletas e percorreram o suficiente para se afastarem dali... Enquanto pedalavam podiam ouvir “canções, risos, pequenos gritos excitados” que iam ficando para trás...
“O que podiam fazer senão beber, rir, excitar-se uns aos outros com cócegas? Já que eram vivos, precisavam viver”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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